quarta-feira, 12 de março de 2014

A vitoriosa trimestralidade da LER (2)

Muitos anos, circunstâncias, instituições e pessoas contribuíram para o retrocesso da LER à periodicidade trimestral. Paulatinamente, o livro (e não falo em particular do romance) foi banido das televisões, das escolas, das universidades, dos jornais (guetizado em suplementos a que prescreveram uma dieta crescente), dos discursos políticos, das conversas em geral. Uma ou duas gerações de dirigentes partidários e institucionais particularmente plebeias, particularmente representativas da boçalidade e do arrivismo nacionais, foram suficientes para consumar o desaparecimento do livro — e a geração que lhes há-de suceder nem sequer consegue soletrar a palavra.

Considerando retoricamente que há uma saída para a crise, a LER é uma daquelas coisas que já não recuperaremos. A não ser que o país deixe de recrutar ministros e directores-gerais nas jotas, e que os ministros deixem de confundir “representar” com “mimetizar” o povo. A não ser que os intelectuais de direita parem de ter como maiores inimigos os intelectuais de esquerda, e estes, aqueles. São aqui menos relevantes as fracturas entre a esquerda e a direita do que as que existem entre o país e um leitor de livros, e a Resistência bibliófila precisa de todos os intelectuais — os que escrevem no Correio da Manhã e os que escolhem o Correio da Manhã para embrulhar o peixe.

2 comentários:

  1. Rui, tanto quanto sei, nas escolas actualmente lê-se mais do que se lia no nosso tempo.
    Justiça seja feita ao Programa Nacional de Leitura (Ler +) e a alterações ao currículo, por exemplo, as que impuseram a Português a obrigatoriedade de uma prova oral por trimestre a cada aluno; esta prova oral é geralmente (ou obrigatoriamente? não tenho a certeza) sobre um livro que o aluno ficou de ler, e sobre o qual irá depois falar à turma e ser avaliado por isso.
    Talvez nem todos os professores aproveitem bem esta oportunidade dada pela oral, talvez os livros de facto escolhidos nem sempre sejam os adequados (exigentes, que abram horizontes aos alunos e formem leitores mais exigentes e esclarecidos), mas estas alterações deram aos professores interessados ferramentas que eles antes não tinham.

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  2. Ainda bem, Fernando. Mas parece que isso não se traduziu em leitores/compradores da LER. A questão é também a do lugar do livro e da leitura de livros na sociedade. A importância que se lhe dá versus o desprezo. Eu nem fui grande leitor em alguns períodos do meu percurso escolar. Em certas alturas não fui sequer leitor. Mas nunca me considerei à altura de achar o livro dispensável.

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