Helena Matos
Há uns anos entrevistei Helena Matos numa esplanada da Gulbenkian e, mesmo que a incompetente entrevista que publiquei não dê disso conta, fiquei com a sensação perturbadora de que em alguns momentos estava na presença de um espírito fanático. Por certos assomos de cólera, certas obsessões, certa impiedade. Sacudi a ideia da cabeça mas a passagem do tempo, receio, viria a dar razão ao pressentimento. Na altura fui ter com ela porque gostava da sua iconoclastia no Público, mas hoje verifico com desolação que aquilo que eu achava ser rebeldia tinha muito de facciosismo à espera de vez. Assim que a direita neocon (muitos não gostam do termo, mas desconfio que ela não se importa), na sua versão lusa, subiu ao poder, o que era nela desalinhamento, pensamento politicamente incorrecto, revelou-se engajamento, zelo, farisaísmo. Não necessariamente por fidelidade a um partido ou a um governo, mas a um ideal, ao ideal. A investigadora parecia um ser livre, contestatário, questionador, mas era sobretudo uma opositora (muitíssimas vezes com razão) de quem governava à época. O tempo, que tudo apura, agiu nela empedernindo-lhe (ainda mais) o coração e barricando-lhe as ideias na viela mais obscurantista por onde às vezes andava. Lê-la sobre homossexualidade, arte, direitos dos cidadãos e não a imaginar com bigode e pêra de inquisidor do Santo Ofício, como um ayatollah de calças, é um feito de que já não sou capaz, lamento. O seu retrato grava-no-lo ela a fogo, diligentemente, com requintes e provavelmente orações fervorosas, artigo após artigo, post atrás de post.
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