sábado, 27 de julho de 2013

Lyre Bird

Os vizinhos da esquerda e da direita têm as televisões sintonizadas no mesmo canal merdoso que entretém e lava o cérebro dos reformados deste país, um dos três canais merdosos que Rangel, Moniz & C.ª Lda. nos legaram. Como são bastante surdos (os vizinhos), têm geralmente o volume dos aparelhos no vermelho, e a essa circunstância irritante junta-se o delay, o atraso na recepção do sinal entre a TV à esquerda e a TV à direita. Resulta que se não me distraio o suficiente ouço a Júlia Pinheiro, a Fátima Lopes e as novelas em cânone, estão a imaginar o pesadelo.
Hoje apenas uma das televisões estava ligada e, talvez resultado da boa combinação entre Foster Wallace e um tinto carregado alentejano, de repente pareceu-me que o vizinho sul (o outro dormia a sesta) ouvia ‘Elephant’, das Warpaint. Apurei o ouvido e foi difícil convencerem-me que era apenas mais uma pimbalhice que o vento distorcia ao ponto de fazer parecer música o que era apenas gargarejos de um cérebro aditivado com botox.

Liguei o portátil para vos dar conta deste fenómeno alentejano e acabei a pôr as meninas de Los Angeles a cantar. Para meu espanto, o vizinho acordado (o outro ressonava), que eu julgava surdo como um portão de quinta, no final da música continuou com o assobio do outro lado do muro a melodia principal de ‘Elephant’, como se fosse um conhecedor profundo da obra das Warpaint. Repeti a experiência com o mesmo resultado e concluí que, ao contrário do propagado por Moniz, Rangel & Sons, o povo não têm necessariamente mau gosto — ou que o vizinho tem alma de Lyre Bird.

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