As opiniões que se lamentam sobre os parcos vencimentos dos políticos dividem-se em pouco mais de três géneros: as hipócritas (ou cínicas), as ingénuas (mas cultíssimas e seguríssimas da verdade) e as simplesmente patetas, de adolescentes esperançosos e ambiciosos que ensaiam todos os dias ao espelho a célebre proclamação «mãe, sou ministro!».
Diz esta tríade que só pagando bem a democracia conseguirá atrair os melhores e reformar-se (talvez evoluindo de «representativa» para «mercenária»).
O que é curioso é que não ouvimos estas pessoas concluírem, logicamente, que hoje estamos mal servidos de governantes e políticos. (Pagamos mal, logo não temos os melhores, certo?) Várias delas não o concluem porque são governantes e políticos no activo e seria embaraçoso, digamos, confessarem-se da ralé, profissionais de terceira que aceitam quaisquer trocos. Os que não são governantes ou dirigentes são acólitos ou pauzinhos de bandeira: perderiam a possibilidade de uma carreira no partido se levassem o seu próprio raciocínio até ao fim e deste modo menorizassem os chefes. Uns poucos estão fora dos partidos mas são ainda assim demasiado ligados ao sistema para se atreverem à inconveniência pouco burguesa de unir as pontas: «pagamos mal, temos merda». Sobra talvez um ou outro Vasco Pulido Valente, mas estes diriam sempre que temos merda, mesmo que pagássemos à merda o seu peso em ouro.
Na verdade, tirando o supracitado e estatisticamente irrelevante VPV, ninguém dos que se queixam da exiguidade de honorários da República parece considerar de facto que estamos mal servidos de políticos. Veja-se a forma como defenderam Relvas e defendem qualquer idiota, irrevogável ou não, que esteja lá a representar os seus interesses ou ideias.
Por outro lado, eles não acham o valor do salário assim tão relevante, porque na primeira oportunidade saltam para o governo ou para o parlamento. Quantos secretários de estado estão neste executivo que não tenham antes chorado num jornal ou num blogue a miserável folha de pagamentos dos cargos políticos? Não me venham dizer que, muito humildes e coerentes, só aceitaram o convite porque não se consideram dos melhores. Isso não seria humildade, mas imbecilidade. Dispensamos gente a ocupar cargos só porque eles existem. Dispensamos gestos absurdamente francos e eloquentes («o vencimento é suficientemente mau para o que eu valho»). Se não queremos maus gestores da coisa pública, talvez não devamos abrir excepções para nós mesmos, não acham? Não se martirizem, queremos pessoas competentes. Fiquem de fora a reivindicar melhor salários.
Eu ouço-os dizer que temos de pagar mais para atrair os melhores mas nunca os ouço dizer quem são os melhores. Quem são esses titãs que apenas aguardam a subida dos vencimentos para virem ocupar São Bento com a eficiência de deuses no Olimpo.
Por outro lado, vendo a forma como os dirigentes políticos portugueses saltam dos governos para empresas nacionais ou internacionais “de prestígio”, quase somos levados a acreditar que, apesar das condições adversas, temos tido por cá dos melhores dirigentes. (Ou acreditamos nisto ou reavaliamos a nossa noção de prestígio.)
Talvez haja uma terceira via de pensamento: considerarmos o governo português como um tirocínio, um estágio para mais altos voos, como parece ser. Mas nesse caso, meus amigos, temos de concluir que, para meros estagiários, os dirigentes portugueses não estão nada mal pagos.
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