Três mulheres, um petiz. Chegam e a mais velha instala-se com o rapaz num dos bancos de balouço. A mulher tem um ar apatetado e o timbre instável de um adolescente na mudança de voz. O miúdo utiliza frequentemente a expressão «credo» com uma entoação e uns trejeitos que parecem trair
a) excesso de convívio com a mulher mais velha (a quem a expressão assenta perfeitamente)
b) uma precoce postura irónica, zombeteira.
Olhamos-lhe para a cara, da mesma linhagem da dela, e inclinamo-nos para a hipótese do convívio, o puto como papagaio inconsciente e sem dolo da tia ou avó.
Depois as outras duas mulheres sentam-se nas imediações e ela, dando às pernas no balouço, enche o peito de ar a despropósito:
— Se fosse eu, punha os desempregados a semear batatas ali naquele campo. Se recusassem, não recebiam um tostão. Os desempregados e os do rendimento mínimo. Haviam de ver.
As correntes gemem com o vaivém e a sua voz concorre com elas na mesma frequência de agudos oxidados.
— Se fosse eu que mandasse, era assim. Eles não iam gostar, pois está claro, mas comigo trabalhavam, se queriam.
As outras, como se a levassem a sério, falam entre si de agricultura, naquele tom vago e ocioso de domingo à tarde. Fazem cálculos por alto a despesas e lucros com certa hipótese de lavoura e parecem concluir pela inutilidade da empreitada.
Ela não as ouve ou não desarma.
— Eu dava-lhes o desemprego! Se fosse eu que mandasse?
O miúdo tornou-se irrequieto e exigiu atenção. A diatribe da mulher interrompeu-se quando ela se ia referir aos funcionários públicos. Não pudemos ouvir que impropérios teria no seu repertório para esta outra espécie.
Podemos conjecturar que se tratava de uma seguidora atenta do Governo, possivelmente uma empreendedora de sucesso, ou alguém cujo mérito no trabalho deixa longe o espectro do desemprego.
Ou podemos correr o risco do preconceito (quem vê caras não vê corações?) e não pôr de parte a possibilidade de se tratar de uma reformada, quiçá da função pública, fascinada pela retórica tribal e o olhito azul de Passos Coelho. As mentes simples tendem a papaguear o que ouvem. Não é, rapaz?
— Credo!
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