quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Esperar o fim no Palace Hotel de Vidago

Tenho definitivamente uma costela de velho aristocrata. Não é à toa que me encanta o ghost writer por detrás de Francisco José Viegas: o saudoso António Sousa Homem cujos escritos ortónimos ao que sei cessaram, embora ande algo deles n’O Coleccionador de Erva, do seu pseudónimo mais famoso. Passeando por Vidago, dou comigo a lamentar a decadência das famílias e dos costumes que deixa semideserto o parque em favor de um Algarve novo-rico, plebeu e dum sensualismo exibicionista, suado e pegajoso. Pessoalmente, não me desagrada que a afluência a Vidago seja baixa no dia em que ali me dirijo. Tomo-a até como um sinal de respeito, de consideração pelo meu olfacto sensível. É conceptualmente que me lamento. Imaginaria — com caduco romantismo e grande abnegação, bem se vê — que os calores de Agosto fariam recuar as pessoas de bom gosto às sombras frondosas de um parque termal e não avançar belicamente para as areias marroquinas do Andalus. Mas depois ponho-me no lugar do tuga hodierno: o que há para fazer no parque de Vidago? Passear à sombra de plátanos, tílias e quejanda vegetação? Sentar em bancos de jardim como que à espera de um transporte que não vem? Namoriscar de castas mãos dadas em homenagem à avozinha? O golfe é um aborrecimento de milionários. O ténis e a piscina são só para clientes do hotel. A terapêutica biliar faz-se hoje com químicos, e nunca no Verão.

Há uma saudade cor de amêndoa na maioria das epidermes lusas, prova de que a presença árabe ou berbere no nosso genoma é maior do que estamos dispostos a admitir. O português quer retomar no Verão o aspecto dos seus ancestrais mais carregadamente mediterrânicos, por isso se põe a tostar ao sol em vez de ir beber copinhos de água para as termas, à sombra, como faria o outro lado da família, com sangue mais asturiano.
No meu corpo, a reconquista começou há uns anos e, se não me devolveu a fé cristã, pelo menos devolveu-me o horror ao sol directo e o gosto por castelos e palácios. Sim, passaria bem o Verão no Palace de Vidago, andando descalço e transgressor pela relva do green de dezoito buracos que sobe a encosta e serpenteia deliciosamente pelos bosques e depois pelo pinhal, jogando ao final da tarde um ténis desastroso no court escondido como um recanto amoroso, tomando atrasado os meus pequenos-almoços sob um anacrónico guarda-sol às listas (já não há) no terraço com pernadas de hera à espreita na balaustrada, forçando-me a evitar a piscina por ter memória da antiga e não querer profaná-la mergulhando no enxerto de Sisa actual, lendo avolumadas e pacientes páginas nos tais bancos de Godot (ou, de novo transgredindo, de barriga para o ar na relva aparada e fresca do buraco 17) e, claro, jantando demoradamente no salão nobre como um orgulhoso conde austríaco com os turcos às portas de Viena.

Os meus momentos de pessimismo ou fatalismo não me deprimem. Como se viu naquele outro post (“Esperar o fim no Solar Bragançano”), apenas tornam efervescente o meu sangue azul e estimulam — para alegria moral da troika e seus apaniguados — a minha propensão perdulária. Sim, talvez um destes dias estoure o vencimento de meses num retiro palaciano. Era isto o que pensava enquanto bebia estilosamente, para afastar a crise, um caro branco alentejano na esplanada ocidental do Club House de Vidago.

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