domingo, 18 de agosto de 2013

Poemas do outro lado

Leio o Parnaso de Além-Túmulo, colectânea de poemas que o médium Chico Xavier psicografou de espíritos de cinquenta e seis vates, incluindo o de Antero de Quental. Chego à conclusão, porventura errónea, de que a alegada existência após a morte, embora preserve algum talento dos poetas, uniformiza estilos, dilui inquietações, impõe clichés. Talvez o «nosso mundo» seja fútil, sombrio, ilusório e tolo. Mas — até prova em contrário — só mesmo «deste lado» é que Antero «interroga o infinito».

ANEXO

Para uma eventual comparação, seguem-se dois sonetos. O primeiro foi escrito por Antero de Quental, naturalmente quando ainda estava vivo. O segundo foi supostamente ditado pelo espírito de Antero (já liberto do cárcere terreno) ao médium Francisco Cândido Xavier, fazendo parte de um conjunto de 19 composições, de igual estrutura, integradas na referida colectânea:


Evolução

Fui rocha, em tempo, e fui, no mundo antigo,
Tronco ou ramo na incógnita floresta...
Onda, espumei, quebrando-me na aresta
Do granito, antiquíssimo inimigo...

Rugi, fera talvez, buscando abrigo
Na caverna que ensombra urze e giesta;
Ou, monstro primitivo, ergui a testa
No limoso paul, glauco pacigo...

Hoje sou homem — e na sombra enorme
Vejo, a meus pés, a escada multiforme,
Que desce, em espirais, na imensidade...

Interrogo o infinito e às vezes choro...
Mas, estendendo as mãos no vácuo, adoro
E aspiro unicamente à liberdade.

Antero de Quental

Depois da morte

Depois de extravagâncias de teoria,
No seio dessa ciência tão volúvel,
Sobre o problema trágico, insolúvel,
De ver o Deus de Amor, de quem descria,

Morri, reconhecendo, todavia,
Que a morte era um enigma solúvel,
Ela era o laço eterno e indissolúvel,
Que liga o Céu à Terra tão sombria!

E por estas regiões onde eu julgava
Habitar a inconsciência e a mesma treva
Que tanta vez os olhos me cegava,

Vim, gemendo, encontrar as luzes puras
Da verdade brilhante, que se eleva,
Iluminando todas as alturas.

Francisco Cândido Xavier

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