A cegueira ideológica
Anteontem [7 de setembro] perguntei-me se a adopção de tais medidas de austeridade*, tão clara e obviamente erradas, era sinal de ignorância do Governo (do nosso Primeiro e do seu adjunto, sem dúvida — mas a mesma desculpa não é aceitável nos ministros das Finanças e da Economia...), se sinal de que os membros do Governo e quem os assessora querem é «a porra deles direita», estando-se nas tintas para o país e a generalidade dos seus cidadãos.Ontem cheguei à conclusão de que, verificando-se sem dúvida em parte as duas possibilidades anteriores (ignorância e interesses pessoais), há um terceiro factor a considerar, por ventura (ia dizer «por certo») mais importante: a cegueira ideológica.
O Governo do PSD (e o de Merkel, e muita gente em Washington, com particular ênfase para os Republicanos) fez o que fez, não apenas por ignorância (que, sem dúvida, grassa), nem apenas porque a sua verdadeira preocupação são os interesses dos seus verdadeiros patrões (as grandes empresas para onde irão quando deixarem o Governo), o que também é um facto a considerar — mas porque a sua ideologia (limitada e simplista) lhes diz que é assim que as coisas se fazem, e não interessa que a realidade contradiga os “artigos de fé” da ideologia: os dogmas são intocáveis.
A cegueira ideológica conduziu o bloco soviético à ruína: o sistema económico marxista-leninista não funcionava, mas insistiram no erro do dogma. A Direita empenha-se agora em mostrar-nos que também consegue avançar intrepidamente sob o efeito de cegueira semelhante: tal como os soviéticos à esquerda, a Direita actual conduzir-nos-á ao arrepio da realidade, até cairmos pelo precipício económico-social. Que caiamos pela direita do precipício e não pela esquerda, pouco interessa. Cairemos na mesma, a queda acelerada por levarmos atada ao pescoço a bigorna do dogma (a que eles, na sua cegueira, chamam «pára-quedas»).
Inspirado por este longo, mas interessantíssimo, artigo: «Bill Black: New York Times Reporters Need to Read Krugman’s Columns» (em inglês).
P.S. O editorial de hoje (16 de março) de André Macedo (Dinheiro Vivo) arrasa as políticas económicas deste Governo, «o falhanço estrondoso de Gaspar». No ponto 4, Macedo refere-se precisamente à «cegueira ideológica» subjacente. Recomendo vivamente todo o artigo.
* As propostas de alteração à TSU, medida abandonada após a oposição popular manifestada a 15 de setembro.
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