Estou de rastos, se querem saber. Ao acordar li no Facebook que o Possidónio Cachapa correra hoje 15 km, e eu, que não quero ser menos escritor do que ele, achei que devia tentar o mesmo. Desci para junto ao rio da minha aldeia, que não é menos belo do que o Tejo dele. A certa altura, deu-me a modéstia (a moléstia foi mais tarde) e achei que os meus doze de máximo chegavam para me garantir um lugar humilde mas honesto nas letras portuguesas. Só que quando já orientava os passos para o Calvário que me finaliza a corrida resolveu cruzar os céus uma rara cegonha preta e, claro, fiquei embeiçado. Inflecti e alinhei-me com o rio da minha aldeia, para montante, como ela tinha feito. Imaginei, na minha idiotez matutina (para mim é manhã até tarde da noite), que a bicha haveria de aterrar no mesmo território onde se apascenta a garça-real de que já falei algures. Entre ir e vir seriam mais dois quilómetros, calculei. Se swingasse mais um pouco atingiria os 15 e poderia sentir-me, por direito próprio, alguém do métier literário. Chegado ao local não havia cegonha nem garça, apenas os sacos de plástico do costume presos nos mesmos galhos na orla da corrente. Suponho que não se faz poesia com musas ausentes e sacos do Continente, biodegradáveis que sejam. (Bem, sendo biodegradáveis e do Continente, talvez a Adília faça.)
Fiquei desolado. A competição para mim acabara. Ou já não competia pela distância mas para saber se sucumbiria por fraqueza das pernas ou síncope cardíaca. Arrastei-me como pude para casa, sem swing nem forças, pensando inscrever-me num dos cursos de escrita criativa do João Tordo — para me manter sob influência ornitológica e, quem sabe, ganhar finalmente asas. Se não para as letras, para que os 15 km me não pesassem tanto nas pernas.
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