Por timidez, desinteresse ou incompetência, sempre fui nalguns assuntos um tipo um pouco retardado. Quando a isso se somavam as dificuldades financeiras, eu podia ser bastante neandertal em relação à restante rapaziada. E misantropo.
Um dia no intervalo das aulas um colega quis partilhar comigo a música que ouvia no seu novo walkman. Senti-me honrado, naturalmente, mas também assustado. Sabia que existiam mas nunca tinha experimentado ouvir música numa coisa daquelas. Qual seria a sensação? Como se ajustava o aparelho nas orelhas?
Acontece que o colega não queria apenas que eu ouvisse a música, queria que reparasse como o guitarrista dos Lynyrd Skynyrd fazia falar a guitarra. Eram muitas experiências novas para tão pouco tempo. Walkman. Guitarras que falam. Lynyrd Skynyrd (quem?). Ajustei os auriculares e a primeira coisa que disse ou pensei foi que a música parecia vir de todo o lado, ou estar dentro da nossa cabeça. O colega sorria. Eu ainda não tinha interiorizado a experiência e, por educação, para não abusar da generosidade, já me estava a obrigar a tentar decifrar o que queria ele dizer com uma guitarra que fala. Havia um solo, sim, mas por mais que me esforçasse não entendia nenhuma palavra — e já sabia algumas coisas de inglês. Para mim não havia nada de metafórico no que me fora pedido: eu estava mesmo a tentar ouvir uma guitarra a falar, balbucios que fossem.
Fingindo conhecimento e afectando desinteresse, acabei por dizer que sim, de facto era uma guitarra eloquente, embora não apreciasse muito a música.
(Podia ter contemporizando mais, sido menos herético, dizendo-lhe apenas que «não era sensível ao tema» — se fosse capaz de usar com rapidez a ambiguidade das palavras, de pensar a tempo na utilidade da sua amplitude semântica para uma boa convivência social.)
Toma lá 3:
ResponderEliminarSweet Home Alabama
http://www.youtube.com/watch?v=4uUQBC3J-7Y
Simple Man
http://www.youtube.com/watch?v=paUGhVQfBpw
Free Bird
http://www.youtube.com/watch?v=np0solnL1XY
(a única vez que fiz figura triste num karaoke, foi com esta última...)
Este post lembra-me do que era, até muito recentemente, a minha condição.
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