O parque não é habitado por gnomos ou outros seres mitológicos, pelo menos que eu saiba. Nem há assim tanta gente que se possa dizer que é do parque. Às horas que o percorro, de dia, lembro-me de um clérigo de uma religião alternativa, com a sua gabardina dois números acima, um saco na mão direita e frequentes olhos no céu; um reformado pesadão de bengala e cão idoso pela trela que tem um pedaço do parque como quintal; um advogado e um pastor alemão com o mesmo ar de poucos amigos, ambos sem açaimo, numa caminhada enérgica antes do expediente da tarde; duas ou três senhoras indistintas e decididas no seu fato-de-treino claro e no seu trekking pós almoço; os habituais funcionários camarários vestidos de verde-almeida e responsáveis pela relva, na parte em que o parque é relvado; um senhor com luvas, protectores de orelhas e eventuais problemas de colesterol ou próstata cumprindo a prescrição médica... Quase todos os outros são meros transeuntes que atalham pelo parque a caminho de qualquer destino alhures, geralmente indiferentes ao caudal do rio, à azáfama da passarada ou ao estádio da floração. Ao final da tarde a fauna aumenta, mas malogradamente outras ocupações impedem-me de lhe fazer o inventário. E às minhas horas da noite já quase não sobra ninguém: um ou outro corredor de calças de lycra, uma ou outra parka com gente anónima dentro.
Há contudo nos últimos tempos um sujeito careca nos seus quarentas que se posiciona durante a hora de almoço numa escadaria com vista para uma das represas. Talvez tenha agora descoberto que aquele é um bom sítio para almoçar. Talvez tenha voltado a fumar e ali, meio camuflado pela vegetação, não o assolem tanto os remorsos nem a censura de familiares ou colegas. Talvez seja vítima de desgosto recente e os olhos com que vê a queda da água não sejam indiferentes à melancólica beleza da corrente. Talvez, enfim, seja apenas um dealer a variar de ponto de distribuição por gosto ou cálculo e o telemóvel lhe trema nas mãos em resultado de um mercado em alta e não de um astral em baixa.
E, afinal de contas, tanto que fala nas suas caminhadas e ainda não quantificou a questão: quantos quilómetros faz e em quanto tempo?
ResponderEliminarA resposta teria pouca validade científica, pois seria sempre estatística de pequenos números... :o)
ResponderEliminarSó agora vi os comentários. Não há uma só resposta. Uso o parque para diferentes funções, atalho, passeio, jogging, fuga, safari... de quinze minutos (atalho) a uma hora.
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