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domingo, 6 de julho de 2014

É caro e ineficiente manter o interior: encerra-o e deita fora a chave

Vasco Pulido Valente costuma dizer que este Governo não é neoliberal, e de facto talvez Passos Coelho não tenha conseguido ir tão longe quanto a casta desejaria em algumas áreas. Mas em várias medidas já concretizadas e em muitas outras planeadas o menino-cantor, com a sua melena beta e ar de sacripanta, é merecidamente o orgulho dos thatcherianos meridionais e setentrionais. É, por exemplo, um empenhado darwinista social (sector privado contra função pública, professores contra professores, jovens contra velhos, tudo tem promovido) e só não encerrará definitivamente o interior se o interior, por vezes tão irritantemente tradicionalista e atávico, não recuperar por um dia velhos hábitos e não se munir de varapaus e chuços para o correr daqui para fora da sua zona de conforto.

A propósito disto: 

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Problemas de habitação, no centenário de Sarajevo

No Verão de 2012, o jornalista Tim Butcher foi às profundezas da Bósnia-Herzegovina procurar a casa de Gravilo Princip, o assassino do arquiduque Francisco Fernando da Áustria. Quando encontra o que resta dela, pensa:

«Aquilo era uma casa europeia habitada por uma família inteira no início do século XX, mas fazia-me lembrar as choupanas com que me deparava frequentemente na África rural. O princípio era exactamente o mesmo: um chão de terra batida numa habitação construída com paredes de pedra, sob um telhado feito de madeira, colmo ou ramos apanhados localmente. Uma taxa de mortalidade infantil que podia matar seis dos nove filhos da família Princip soava mais a África do que a Europa. O mundo desenvolvido podia desesperar perante os problemas sistémicos da África moderna, mas estar ali, naquele jardim de Obljaj, ensinou-me como grande parte da Europa estivera recentemente em situação similar.»*

Duas décadas depois da morte de Gravilo, a minha mãe crescia numa casa similar à do sérvio-bósnio que serviu de gatilho à Primeira Guerra Mundial. Um compartimento de terra batida para a família, um compartimento adjacente com chão de carquejas para o gado. Como Gravilo, a minha mãe cuidou dos animais em criança, afastou lobos com paus e pedras. Não abateu nenhum arquiduque no final da adolescência, mas um dos seus filhos escreveu um romance onde se fala de «terrorismo inteligente».

Descontada a boutade pateta, há decerto uma maldição sobre domicílios impróprios. Resolver problemas de habitação é talvez um bom exorcismo para casas-assombradas. A Europa devia lembrar-se.  

* A partir do muito interessante excerto de O Gatilho, de Tim Butcher, publicado na LER de Junho.

sexta-feira, 13 de junho de 2014

Profissão de (pouca) fé

Há quem ponha águias, gnomos, leões, sereias, querubins, senhoras-de-fátima ou cristos-redentores. O kitsch na estatuária doméstica não tem limites e o jardim de uma vivenda é, para mal da vizinhança, propriedade privada.
Mas se o jardim se transforma em horta, por força do “ajustamento”, o que passa a ser um cristo de braços abertos ali plantado? Uma confissão de impotência ou um aggiornamento? Talvez uma resignação: na impossibilidade de expulsar os vendilhões do templo, o filho de deus gosta de se saber útil a espantar os pardais do quintal. É isso ou o desemprego.

[Visto mas não fotografado, ao contrário desta outra aparição, que teve direito a post e foto:]

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Mau augúrio

Não sou supersticioso nem iniciado em filosofias orientais como o Feng Shui, mas sempre que posso oriento as camas onde durmo para sul. O tempo cinzento afecta-me o humor, quebra-me o ânimo, e a sul há uma expectativa de sol, de bom tempo. Já aconteceu deitar-me com os pés para a cabeceira numa cama norteada apenas porque queria acordar bem-disposto. Saber-me de cara virada ao sol, ou orientado para latitudes onde a probabilidade de sol é maior, fornece-me a réstia de conforto que estar vivo exige. Por isso os quartos onde durmo, insensivelmente projectados sem orientação solar, têm por vezes aquele ar desacertado, de coisa fora do lugar (a cama).

Talvez esta fuga à mobilação prevista exerça a sua influência sobre as minhas ideias, a minha psicologia. Mas como disse, não sou supersticioso. Mesmo que tenha ficado preventivamente maldisposto quando me disseram que amanhã iria acordar com um dia de chuva. 

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Revista de imprensa e blogosfera

Os conservadores, como aquelas pessoas que encaixam a realidade nas previsões do Zodíaco, discutem entre si de que forma a sua bibliografia muito culta e cool explica a actualidade. Para fingirem solidariedade social, concedem que se dê uma atençãozita ao trabalho de Thomas Piketty sobre a desigualdade económica. Vasco Pulido Valente, pelo seu lado, foi ler mais um livro de história da I Guerra Mundial que explica, claro, como o Estado Social e qualquer forma de socialismo são insustentáveis. Os comunistas à antiga andam excitados com as conquistas da Rússia e repetem para si mesmos que são direitos e benfeitorias. Putin, vê-se pelas fotos do fim-de-semana, anda literalmente inchado de orgulho com o sucesso das suas campanhas (há quem diga que é botox, mas são calúnias, macho russo não estica o rosto, é ilegal). Na Coreia do Norte, diz-nos um jornalista da Lusa, afinal não se deitam os tios aos cães e há liberdade de penteado (que é, como se sabe, um requisito mínimo para a liberdade de pensamento, que sob o couro cabeludo se abriga). Já só faltam 76 dias e a Europa parece mais bem preparada para o centenário de Sarajevo do que o Brasil para o Mundial de Futebol.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Imprudência

Com os cada vez mais evidentes sinais de regresso dos fascismos à Europa (e ao poder; a originalidade da Hungria não durará), com um clima político a leste cada vez mais prussiano, a direita continua, com moral de inquisidor, obcecada em punir os países e as pessoas que, na opinião dela, viveram acima das suas posses. A direita é muito estúpida, conivente ou imprudente. E receio ter escrito imprudente apenas por cortesia ou fair play.

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

A última dança

O vídeo da companhia Rubberbandance que inspirou o post anterior não é necessariamente o mais representativo. Sê-lo-iam mais estes espectáculos da companhia Peeping Tom: “32 rue Vandenbranden” e “Le Sous Sol”, ou este, da C de la B: “Ashes”, vistos em Guimarães e no Porto. Por outro lado, várias companhias ou coreógrafos portugueses poderiam também elucidar o que disse no post. Neste campo, como de resto nos mais variados géneros musicais e no teatro, o país não padece de talento e profissionalismo como padece por exemplo na política e na gestão. A juntar-se a ex-elementos do Ballet Gulbenkian e da Companhia Nacional de Bailado, há uma nova geração de intérpretes (e coreógrafos) com formação sólida, experiência (tantas vezes internacional) e talento que infelizmente terá agora menos oportunidades de desenvolver o seu trabalho. O Portugal dos últimos anos — «europeu» no sentido civilizado, culto, sofisticado, cosmopolita, democrático e descentralizado que se costuma utilizar para falar da Europa central —, o país onde as pessoas podiam fruir o seu gosto pela dança contemporânea sem precisarem de se deslocar com demasiada frequência a Lisboa, muitas vezes sem precisarem sequer de sair da sua cidade ou da cidade de província que por algum acaso estavam a visitar, está a terminar. A troika, o governo e o statu quo encarregar-se-ão de devolver o país à condição de provinciano e de gosto único.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Caixa de Pandora

Há uma certa ironia no facto de a Quetzal, que publicou em 2010 o livro Mudar, o “mein kampf” de Passos Coelho, ser a mesma editora que lançou no final do ano passado Austeridade — A história de uma ideia perigosa. Se pudéssemos ver nisto um ciclo, a abertura e o fecho de um ciclo…

sábado, 31 de agosto de 2013

«As pegadas de dinossauro indicam o caminho do futuro»

Num episódio do Bartoon, a tira do Público, lê-se: «As pegadas de dinossauro indicam o caminho do futuro.» Nada mais verdadeiro e definidor.
Ainda que a famigerada lei de limitação de mandatos autárquicos tenha feito saltar fora um ou outro dinossauro menos motivado, a verdade é que sobraram demasiados, e dos mais aguerridos. Mas pior do que isso é sabermos que tantos dos novos candidatos às autarquias não têm nada de novo a acrescentar ao admirável mundo antigo, vão seguir exactamente as pegadas dos dinossauros que os antecederam. O país vive uma crise histórica. Há razões externas para a crise mas há igualmente uma culpa colectiva que não se devia alijar e que passa também pela forma como muitas autarquias são encaradas e geridas. Em tantos locais, demasiados locais, as eleições autárquicas continuam a ser meros combates pelo poder entre dois clãs ansiosos por distribuírem entre si os despojos da conquista. Chamam-lhe democracia, mas é um lapsus linguae. O jogo não remete para a Grécia, mas para o império Maya: os vencedores, se puderem, arrancam as cabeças aos derrotados.

De resto, o Governo não imita menos o passado nem é mais isento no que se refere a alimentar o clã laranja. Nisto, como em quase tudo, Passos Coelho faz exactamente o oposto do que disse. E mesmo assim consegue enganar os ingénuos Lombas desta vida, rapazolas de fortes convicções ideológicas que não conseguem reconhecer um charlatão ou um freteiro a um palmo do nariz se ele lhes sussurrar ao ouvido passagens mansas da cartilha. Para estes nerds doutrinários — como, ironicamente, para as claques partidárias que eles desprezam —, um cacique não é um cacique se for o nosso cacique ou falar com certa assiduidade das coisas que achamos certas.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Menos Estado (2)

Se a transacção para uma sociedade com menos Estado feita à maneira da troika é dolorosa em todo o lado, para muitas localidades do interior do país ela será fatal. Há concelhos inteiros que não sobreviverão sem função pública. Toda a sua economia está centrada nas instituições públicas e no emprego público. É isto saudável? Provavelmente não. Mas conviria que o Governo e os seus arautos se detivessem um minuto no assunto. Que assumissem publicamente que um brutal aceleramento da desertificação do interior é um dano colateral aceitável na demanda da sociedade perfeita. Porque é isso que vai acontecer. Um cenário de western com ossadas a assomar do pó. Só que as ossadas não serão de búfalos, mas as dos velhos e de todos os que não terão como cumprir o êxodo rural ou a proverbial emigração lusa.

Menos Estado (1)

Já se percebeu que os defensores de menos Estado não têm capacidade para pensar em mais nada. São monomaníacos. Perigosos. Porque nas actuais circunstâncias menos Estado é apenas igual a mais desemprego e menos economia. Uma abordagem sensata da crise pela União Europeia e pelo FMI teria implicado uma estratégia de fortalecimento do sector privado como alavanca para o emagrecimento do Estado. Porém, como os inconsequentes actos de contrição do FMI provam, as instituições da troika não são constituídas por gente sensata, mas por ideologia em estado puro. O objectivo daquelas instituições não parece ser uma sociedade melhor — mas uma sociedade, adivinharam, com menos Estado. Para alcançar o objectivo não se constroem estratégias razoáveis e praticáveis — avança-se a eito e à bruta, por decreto ou ultimato.
Argumentarão que a troca das premissas não era condição para o fracasso. Que, pelo contrário, começar por emagrecer o Estado é que era condição para fortalecer o sector privado. Talvez uns anos antes pudesse ter sido assim. Talvez daqui a uns anos possa ser assim.
Neste período, emagrecer o Estado implicará emagrecer uma parte substancial da população.

Talvez em certos sistemas filosóficos ou ideológicos seja legítimo sacrificar uma parte da sociedade para que a outra sobreviva com menos Estado. Já se sabe: onde uns vêm distopias, outros vêem utopias. É tudo uma questão de perspectiva — e de ter ou não ter almoçado.

Um país às direitas

Certos comentadores de direita, apesar de quotidianamente afirmarem que este Governo é incompetente, de passarem o tempo a irritar-se com este Governo, de não hesitarem em chamar “socialistas” a ministros deste Governo, não cessam de o apoiar. E porquê? Porque na verdade o Governo expira o mesmo ar pesado desta direita mais ideológica e contamina com ele a atmosfera geral — e isso é a única coisa que importa. Não importa que o Governo não tenha mudado nada do que estava realmente mal em Portugal. Boys? Aumentaram. Favorecimentos? Mantiveram-se. Instituições e gestores incompetentes? Certamente aquelas não diminuíram ou diminuíram por acaso, apanhadas na avalanche demolidora, e poucos destes foram demitidos (sendo, aliás, logo compensados com outros de igual calibre mas da ideologia certa). Pelo caminho foi dispensada gente competente, mas que vota mal, e destruídas instituições que não envergonhavam o Estado.
Importa é que de dia para dia se abre o caminho à Besta de certa direita (ou ao Caos, logo veremos).
O que o Governo fez foi munir-se de bulldozers para derrubar todo o bosque onde supostamente estavam as árvores más — e nós sabemos como a direita thatcheriana adora bulldozers. Entrar simplesmente nos antros de incompetência e nepotismo e identificar os elementos podres, como faziam os regedores florestais, nem sequer passou pela cabeça destes bacharéis. Cria-se o estigma, prepara-se a opinião pública (e há uma quantidade incrível de tipos auto-iludidos com o seu suposto conhecimento do país prontos a segurar este tipo de bandeiras) e leva-se tudo à frente. Para fazer o que tem feito, o Governo não precisava de contratar assessores nem de encomendar estudos (e no entanto contratou e encomendou sem constrangimentos). Bastava-lhe deitar sortes, com dados ou outro instrumento do mesmo rigor e critério. O resultado não teria sido diferente. Haverá alguém no meio deste excitadiço circo neoliberal que acredite ter-se melhorado o que quer que fosse no que se refere a corrupção, oportunismo, nepotismo, má gestão e incompetência em geral? Que isso foi sequer preocupação do Governo? Se não abundassem respostas a estas perguntas, bastaria olhar para a forma como os partidos da maioria estão a lidar com as autárquicas — que decorrerão como se não houvesse crise e como se Portugal não tivesse nada a aprender com as últimas décadas. Vários dos mesmos comentadores de direita que enchem as bochechas de moral e ética contra o Estado estão no terreno a posicionar-se ou a posicionar os seus peões, as suas brigadas jotas e os seus dinossauros escleróticos para o grande banquete da cacicagem.

A única coisa que mudará em Portugal depois deste Governo será o número de desempregados e de instituições entaipadas.*


*E a posição relativa do Borda d´Água em relação ao Excel no ranking.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

O mecânico

Como antes dele o gerente de uma churrasqueira e o escriturário de uma empresa, o mecânico, com apenas um pouco mais de vernáculo do que os grandes liberais dos blogues, declara que não se pode adiar mais, é preciso despedir funcionários públicos, essa corja. Não uma pequena quantidade para troika ver. Milhares, centenas de milhares. Talvez isso não resolva o problema do país de imediato, concede, mas resolve-o a médio prazo. Não diz se por milagre.
O mecânico não se lembra de que grande parte dos seus clientes são funcionários públicos e que o negócio pode afundar se os seus funcionários públicos deixarem de conduzir carros por muito tempo. Ou para sempre. O mecânico não se lembra de que funcionários públicos são os professores dos seus filhos, os médicos e os enfermeiros que mantêm a sua mãe viva e lhe permitem continuar a receber a reforma dela. São os tipos que lhe apanham à porta o lixo que ele deixa espalhar-se pelo passeio. E são aqueles gajos que conduzem a frota cuja manutenção lhe foi entregue por amigo bem colocado na câmara. O mecânico esquece-se, a bem dizer, de que o bem-estar e a economia do concelho estão por enquanto, para o mal e para o bem, dependentes do funcionalismo público. E, na sua precipitação, o mecânico esquece-se de que a própria esposa é funcionária pública (sem formação, desqualificada, na primeira linha dos despedimentos).
O mecânico não o sabe, não pensou a sério no assunto, mas fala dos funcionários públicos como de uma abstracção. Muito à anos vinte do século passado, fala dos funcionários públicos como de “os outros”, como de uma raça expiatória.

Ainda bem que, à escala nacional, o Governo e os seus liberalíssimos e cultíssimos bloggers não são deste aziago jaez.

segunda-feira, 11 de março de 2013

O contributo da Lei de Lynch para a redução do défice

«É assim tão difícil pôr desempregados a limpar as matas?», pergunta João Salgueiro, membro do Conselho Económico e Social, ex-ministro das Finanças, ex-vice-governador do Banco de Portugal, ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos e da Associação Portuguesa de Bancos.
Se quisermos estar suficientemente fodidos com os tipos que têm disposto do país nos últimos vinte ou trinta anos, podemos decidir encontrar um certo tom nazi na pergunta. Como se ouvíssemos uma das questões burocráticas que Himmler punha a Rudolf Hoess.
Claro que o economista na mesma passagem invoca Keynes e isso é suposto ilibá-lo de qualquer deriva neoliberalista. Sabemos que é melhor ter a classe média ocupada do que a remoer insatisfações, mas duvido que obrigar desempregados a limpar matas caiba no conceito de apaziguamento social.
É possível que estejamos no limiar de uma situação como a que se viveu no pós-guerra, onde a civilização se suspende e as pessoas lutam para sobreviver, regressa a agricultura de subsistência, quem sabe se a velha condição de caçador-recolector. Posto perante essa circunstância, o povo agirá naturalmente em conformidade, não precisará de velhos senadores a indicar-lhe o caminho: tem todo um genoma a exigir-lhe que sobreviva.
Há na ligeireza com que os poderosos se referem aos desempregados, ao cidadão comum, uma ressonância inadequada de nobreza velha ou velha aristocracia. Inadequada, entre outras razões, porque do outro lado do espectro não está uma massa bruta, medieval, sem educação nem anseios ou ambições, resignada à miséria e à inferioridade desde o nascimento. Os tipos que, na sua patética sobranceria, se dispõem a falar de milhões de pessoas como se falassem de crianças irresponsáveis ou de velhos servos da gleba deviam, em primeiro lugar, questionar-se se a sua carreira, o seu trabalho, o seu mérito (no caso de terem algum) justifica sem hipocrisia que aufiram vencimentos ou reformas equivalentes aos de 50, 100, 200 homens ou mulheres em idade laboral. Numa república não deveriam existir os privilégios “naturais” que uma casta, não raro incompetente e perdulária (a crise não começou em 2008 vinda do nada), parece ter. Na Suíça, tão reverenciadora do capitalismo e mais distante da crise do que nós, há uma maioria de população favorável a que se limitem as diferenças salariais nas empresas de modo a que o vencimento mais alto não seja mais do que 12 vezes superior ao mais baixo. E isto, que parece minimamente sensato e digno em qualquer circunstância, transforma-se numa urgência quando se vive o drama que vivemos em Portugal. Nenhum Salgueiro ou Borges deveria poder recitar a sua opereta sem antes ter sido aproximado da plebe pela via (da deflação) salarial. Não se trata apenas de justiça. Há alguma profilaxia nisto. Quanto menos homens couberem no salário desta gente, menos hipóteses haverá de encontrar nesse conjunto um que se sinta suficientemente indignado ou desesperado para achar a Lei de Lynch uma forma sedutora de reduzir o défice nacional.
Talvez o confisco dos ricos não chegue para pagar a crise, mas quem sabe não lhes inspira melhores contributos para a economia “geral” ou, pelo menos, os mantém num respeitoso silêncio.


P.S. Talvez queira (re)ler também este post do Canhões de Navarone: “Salários e responsabilidades”.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Nem tudo é repetível

Lá em casa levávamos broncas se numa visita curta a um compartimento ou na passagem por um corredor acendíamos lâmpadas fluorescentes em vez de incandescentes. Estávamos avisados e informados: as lâmpadas incandescentes consumiam mais quando acesas em permanência; as fluorescentes, mais baratas em utilizações prolongadas, custavam caro a acender. Se apenas estávamos de passagem ou íamos entrar e sair, não havia nenhuma boa desculpa para acender lâmpadas fluorescentes. Esse erro agastava sobremaneira o nosso pai, provocando-lhe em certas alturas uma irascibilidade que só viemos a perceber de todo quando soubemos o que era viver com um ordenado que demasiadas vezes não chegava ao fim do mês.
Hoje, num reflexo daqueles tempos, desloco-me pela casa apagando a luz dos compartimentos atrás de mim, mesmo que tencione voltar, enquanto acendo a dos que me ficam no caminho. Por vezes fico às escuras alguns metros, se os interruptores não estão próximos e acho supérfluo iluminar uns poucos passos. Não me perturba este jogo. Como não me perturba ir a pé para o trabalho. O ambiente ganha com isso. Eu gasto menos com isso. Perturba-me que venha a precisar de uma mercearia que venda fiado e não a encontre. Não encontre mercearias de espécie nenhuma. Nem tudo do passado é repetível. No portugalzinho provinciano e comunitário de Salazar era possível levar uma grande lista de compras e dinheiro nenhum na carteira. Os franchises de hoje, mesmo quando apresentam rostos mais simpáticos por detrás da registadora, não têm a mesma confiança na palavra dada. Além de que, suspeito, a companhia da electricidade é hoje mais despida de escrúpulos na hora de definir tarifários.