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segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

E-musas

Uma vez escrevi em directo no blogue, durante semanas, um conto longo que em boa parte se inspirava na persona de PJ Harvey em alguns vídeos e tinha como banda sonora obsessiva um outro vídeo com uma música igualmente obsessiva de Radiohead — “Street Spirit (Fade Out)”. Lembrei-me disto enquanto imaginava a vida de escritor na Antiguidade Clássica: uma actividade dura, sem o YouTube e sem essa invenção fundamental que é o loop.
A estatuária grega, falando de musas, tinha a vantagem (também táctil) dos volumes, uma tridimensionalidade que o YouTube ainda não tem, mas faltava-lhe o movimento, e seria necessária uma sucessão de estátuas para cobrir toda a expressividade do rosto de PJ: a inocência e a perversidade, a candura e a dureza, a melancolia e a violência. Retratá-la seria trabalho para toda uma guilda medieval. Já manter uma trupe dias a fio a tocar a mesma música sairia caro em broa e vinho, algo que a electrónica nos poupa.
O progresso não é só máquinas a substituir caixas de supermercado e portageiros nas auto-estradas. É dar-nos acesso às musas de uma forma que antes só era possível a gente com dinheiro ou imaginação. 

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Relógio existencial

Recém-inventado, o Tikker é um relógio que mostra ao utilizador quanto tempo lhe resta no mundo, após análise das respostas a um questionário sobre o seu estilo de vida. No entanto — pasme-se! —, o aparelho não é completamente rigoroso. Talvez falhe por segundos, o que faz uma enorme diferença. A intenção, todavia, consiste em suscitar o reconhecimento da preciosidade dos instantes. De qualquer modo, também seria conveniente informar o utilizador acerca do tempo de vida do próprio relógio.

sábado, 5 de outubro de 2013

Nada de novo

Aparentemente, Descartes caiu num círculo: por um lado, tinha a ideia clara e distinta de Deus, com que provou a sua existência; por outro, necessitava que Deus existisse para garantir a verdade da ideia clara e distinta que tinha dele. O problema reside no facto de, neste caso, os pensamentos deslizarem sobre palavras como dedos sobre o ecrã de um tablet: afastam-se e aproximam-se, ampliam e reduzem, arrastam e esperam, mas nada de novo acrescentam ao texto.

domingo, 15 de setembro de 2013

A máquina das experiências

Robert Nozick propôs que imaginássemos certa máquina capaz de nos fornecer qualquer experiência — se a ela nos ligássemos. Todos os desejos seriam satisfeitos, embora — sem o saber — flutuássemos num tanque, o cérebro estimulado por eléctrodos. Nozick acreditava que a maior parte das pessoas recusaria ligar-se, dispensando essa vivência exclusiva de prazeres ilimitados. Mas o aparelho também traria dor — se a desejássemos. Podemos inclusive presumir que, metafisicamente falando, estamos ligados a máquinas idênticas — porém anómalas, por uso impróprio.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

A voz e o destino

A voz feminina do GPS constitui uma refutação simbólica daquela ideia do Génesis segundo a qual Eva desencaminhou a espécie e inaugurou a cadeia de mal que nos tortura. Dir-se-á ser tal voz pura ilusão, decerto com valor instrumental, mas que nada encerra de humano. Talvez. Contudo, ouvi-la dizer «Chegou ao destino!» pode ter sobre o espírito de quem dirige o automóvel um efeito redentor bem mais marcante do que a leitura compulsiva de quarenta tratados teológicos.

domingo, 17 de março de 2013

Em defesa da honra do Excel

O problema não é o Excel, Rui — é o que se faz com ele.

Vítor Gaspar apresenta muita da sintomatologia que já detectei em variadas outras pessoas, geralmente pequenos e ineptos comerciantes.
(A diferença, bem grande, está na etiologia do problema em cada caso: cegueira ideológica no caso de Vítor Gaspar, pura ignorância no caso dos referidos comerciantes.)

Chamo a esse problema (de uns e de outros) a «Falácia da Contabilidade Simplificada».
Em que consiste esta falácia? Em contabilizar apenas os efeitos positivos das nossas medidas, ignorando descaradamente os seus efeitos negativos, que por vezes são superiores aos positivos.

No caso dos pequenos comerciantes (por ex., donos de restaurantes), conheço vários que levaram em linha de conta apenas a redução da despesa (conseguida à custa da diminuição do pessoal e da aquisição de produtos de gama mais baixa), desprezando os seus efeitos nas receitas (diminuição do número de clientes devido à degradação da qualidade do serviço).
Resultado: desastre para a saúde do negócio desses comerciantes.

No caso do nosso alienado Ditador das Finanças, Vítor Gaspar olha apenas para os valores dos salários (que reduziu) e para as taxas aplicáveis nos impostos (que aumentou), ignorando que estes incidirão sobre um valor total (facturação) menor, devido à quebra da actividade económica.
Resultado: desastre... para Portugal. (Vítor Gaspar lá terá a sua “almofada” financeira pessoal assegurada.)