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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A Morada da Sabedoria

Na passada 2.ª feira, em ambiente de festa à entrada da biblioteca da UTAD, preparava-se o dispositivo para a matrícula dos novos alunos desta Universidade. A equipa era composta por vários estudantes, alguns doutores e professores. Havia um percurso sinalizado por fitas vermelhas e brancas, entre cadeiras e mesas alinhadas e música cuidadosamente seleccionada para o efeito.
Entre outras sonoridades igualmente melodiosas, o Bacalhau Caralho ecoava no hall de entrada do bastião do conhecimento, da arte, da investigação, dos valores académicos e humanistas por excelência.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Humilhações*

«[Nós] temos o direito a ser humilhados!», proferiu o moço, em defesa da praxe. Nada de grave subjaz à reivindicação de um direito — excepto quando tal reivindicação pressupõe um dever que a dignidade humana seguramente não aprova. O enunciado exposto configura uma situação do género: para que uns tenham o direito a ser humilhados, outros terão o dever de os humilhar. Claro, há sempre candidatos disponíveis para cumprir essa tarefa — excepto em países onde a decência reina.


* Escrito após a leitura do post do Rui e a visualização do vídeo insólito (e altamente instrutivo) que suscitou essas reflexões.

«Ser humilhado é um direito»

O problema da praxe (sim, é um problema) poderia ser minimizado, não exactamente proibindo-se esse desporto néscio, mas se todas as universidades exigissem que os alunos aprendessem para continuarem lá e lhes testassem com frequência os conhecimentos; se as empresas e o Estado contratassem de facto prioritariamente os que melhor desempenho académico têm ou mais bem preparados se revelam, e não os que têm melhores “referências” ou se mostram mais chico-espertos; se as famílias, em contrapartida à mesada e às despesas pagas, exigissem resultados e se orgulhassem mais de boas notas do que de trajes, emblemas e títulos fúteis; se os comensais de bom gosto e de boa educação num restaurante fossem em número suficiente (não são) e tivessem ânimo suficiente (não têm) para se opor à tirania dos bárbaros, exigindo moderação na voz e boas maneiras à mesa; se a polícia levasse a sério as leis do ruído e mais umas minudências legais afins. Pequenos passos para as instituições, grande passo para a humanidade. Mas para isto tínhamos de presumir que o resto da sociedade difere dos patetas perigosos que dizem que «ser humilhado é um direito». Os passos necessários são curtos, mas ainda assim é preciso ter pernas.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Praxes

Julgo por vezes que ninguém que mereça respeito intelectual simpatiza com o mundo idiota e perigoso das praxes universitárias. O que é que isto significa? Que tenho uma visão restrita das pessoas que merecem respeito intelectual? Talvez. Sou um sentimental, mas não confundo afecto e piedade com admiração. Não acho inteligentes ou iluminadas todas as pessoas que amo ou por quem tenho compaixão. Neste tempo de dificuldades, por exemplo, apiedo-me do país, mas continuo a não o ter lá assim em grande consideração. O país aceita as praxes — eu tenho pena do país também por isso.
O que acho mesmo que isto significa é que ninguém respeitável do ponto de vista intelectual tem poder ou, tendo-o, o quer exercer contra a imbecilidade geral. Isto significa também que à frente de uma parte das universidades, como do país, estão idiotas, comodistas ou cobardes.
A natureza estupidificante e fascizante das praxes universitárias está há muito identificada. Num mundo de adultos, ou num mundo de gente decente e culta, a sua abolição tinha ocorrido há muito, sem dramas, com a veemência célere e inelutável dos gestos necessários e consensuais.
Acontece que Portugal não é nenhum desses mundos. O poder dos reitores e o poder da gente decente e culta é limitado. O respeito intelectual é uma daquelas coisas obsoletas, como a palavra de honra ou a honestidade. Quem o merece, torna-se geralmente clandestino, por segurança. Como nos media e na rua, a indigência intelectual sequestrou o que resta de inteligência e cultura no campus. Os reitores são tolerados no seu posto — não exactamente respeitados ou obedecidos. Os professores não contam, e muitos deles são suficientemente cultos e intelectualmente respeitáveis para abominar as praxes.
No mundo de anedota que é Portugal, os próprios jornais de referência identificam um rapazola qualquer como «ex-responsável pelo conselho de praxes». Notem-se os termos, a sisudez e a gravidade dos termos: «ex-responsável» para definir um ex-cabecilha de uma comandita vocacionada para a galhofice e a humilhação. Como se houvesse naquela figuras alguma ponta de responsabilidade no sentido institucional ou ético do termo. Como se com frequência aquela responsabilidade não fosse meramente do âmbito do Código Penal. E «conselho de praxes», assim, embrulhado em respeitabilidade, em seriedade, como se os adultos dos jornais se empenhassem na brincadeirinha das crianças, sorvessem cerimoniosamente o chá que não está nas chávenas, mastigassem convictos e censurando-se as cólicas a lama dos bolinhos que as crianças lhes dão a comer.
Que a rapaziada nos seus divertidos e irresponsáveis vinte anos crie «conselhos» e nomeie «responsáveis», determine «códigos» que regem a companhia alegre, compreende-se — quem não quis ter na adolescência um clube secreto ou uma casa na árvore? Que os adultos de um país, os seus jornais, as suas instituições e os seus líderes não ponham limites à brincadeira é caso para levar a nação ao divã de Freud ou a internar no Conde Ferreira. Se houver verba. E vagas.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Da praxe no parque à escatologia: ensaio taxonómico sobre a academia

A propósito de uma sucessão de casos, ou antes, da cobertura jornalística de casos de francos excessos nas praxes académicas, e em sequência de uma débil pressão social ou de uma réstia de escrúpulos, algumas universidades lá assumiram que lhes cabiam desempenhar um papel, não exactamente na formação de carácter dos seus alunos (não exageremos), mas de moderação da selvajaria. Passaram a existir regras um pouco mais restritivas para a praxe em alguns campus. Como em certas cidades mais progressivas do farwest, os alunos foram convidados a deixar as armas no portão. Se querem brincar aos índios e cowboys, que o façam lá fora. A academia nada tem contra os tiroteios e a caça ao escalpe — desde que essas românticas actividades ocorram extramuros.

E também assim a academia volta as costas à comunidade, ao mesmo tempo que renega as suas incumbências fingindo que a sua jurisdição sobre o estudante é limitada pela vedação do campus.

Os grupos de praxe, aliás, parecem não caber no âmbito jurisdicional de nenhuma instituição, civil ou uniformizada. Desde que notoriamente envolvidos — quer como vítimas, quer como algozes — nessa fundamental ocupação dos vinte anos que é a praxe, é-lhes passado um livre-trânsito, uma espécie de carta de alforria para a ignomínia e o vandalismo, sem limitação de decibéis.

Se você, caro cidadão, dando-lhe na veneta, resolvesse, como por aqui se faz, chafurdar ou fazer bodyboard na relva húmida de um parque até transformar o círculo do seu enchafurdamento num lamaçal, ou arrancar, com sequelas para o futuro botânico do sítio, qualquer vestígio de relva no percurso do seu reiterado deslizamento, provavelmente teria um funcionário municipal ou um agente da autoridade a censurar-lhe o comportamento (por mais genuinamente divertido que você estivesse) e a sacar do bloco de multas para lhe pedir contas. Tratando-se de grupos de praxe, as instituições do Estado quando muito abanam a cabeça com aquela indulgência que se oferece às crianças e aos malucos da terra.

Tempos houve em que as cidades médias viam no estudante universitário a galinha-dos-ovos-de-ouro e temiam incomodar a debicante espécie com os seus escrúpulos e as suas preocupações cívicas (se as tinham). Galinhas desta estirpe, achava a mentalidade mercantil dos burgos, deviam ser deixadas a cacarejar estridentemente antes de cada postura. A caca de galinha com que revestiam abundantemente as calçadas da urbe não devia ser censurada, pois saía do mesmo sítio de onde saíam os áureos ovos. A escatologia era assim preocupação dominante nestas pequenas ou médias comunidades, quer na sua acepção científica (relacionando a merda estudantil com a saúde económica do condado), quer na sua dimensão filosófica (o fim dos universitários era o fim do mundo).

Claro que da ignara e vil burguesia mercantil e das instituições dos burgos, constituídas tantas vezes por meros perus emproados ou galináceos da mesma cepa estudantil, não se esperariam conhecimentos zootécnicos. Era natural que desconhecessem serem inúteis as asas das aves poedeiras e, por isso, desadequado o temor melodramático quanto à fuga das galinhas. Seria talvez uma iconoclastia humilhante e traumática alguém informar as comunidades que os Gallus gallus aureos, vulgo estudantes universitários, arrendariam igualmente casas, se alimentariam quotidianamente e quotidianamente apanhariam pifos mesmo que algumas regras da civitas lhes fossem impostas.

Deve ter sido por isso, para não ferir o frágil amor-próprio e os doces sentimentos das forças vivas das terras universitárias, que a academia se demitiu de lançar luz sobre o assunto. (Talvez também para não melindrar o orgulho arrivista e vindicativo dos progenitores no entremez académico das suas crias.) Ou isso ou as reitorias, em vez de faróis, confundem os seus gabinetes insonorizados e de vistas bucólicas com torres de marfim.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A praxe integra? Talvez... Mas em quê?

A minha reacção à teoria de que a Praxe «é uma forma de integração» (alguns vão ao ponto de deixar subentendido que é a única forma de integração na vida académica...) e à desculpa dos excessos com a «rebeldia» da juventude.

Quanto à primeira afirmação (a questão da integração): será — mas integração em quê? Numa estrutura hierárquica baseada, não no mérito, mas na antiguidade? Pior: onde o maior estatuto (Veterano) só é conseguido, necessariamente, pela reprovação (logo, pelo demérito)? Integração numa sociedade em que os de mais baixo estatuto, não só são humilhados, como não podem reagir à humilhação, apenas acatá-la? E onde a única desforra que existe é, não sobre aqueles que nos humilharam, mas sobre terceiros, os de mais baixo estatuto do que nós, que a seu tempo teremos oportunidade de humilhar? Se é a este tipo de integração que se referem, está tudo dito.

Quanto ao espírito «rebelde» subjacente à Praxe: é exactamente o contrário — reprodução acrítica de comportamentos. (De resto, como a maioria das tradições; a diferença é que poucas são tão estúpidas e com princípios e valores subjacentes tão baixos como os da Praxe.)


P.S.: Fiz este flyer em Setembro de 2009, tendo-o distribuído (em pequenas quantidades) pelo sítio onde trabalho. Foi originalmente publicado no meu blogue Grafismo Sem Rede, acompanhado do texto que reproduzi acima. Vejo hoje que poderia ter sido publicado a acompanhar o artigo de opinião que Daniel Oliveira publicou no Expresso em 2011 e que por estes dias ressuscitou nas redes sociais.

Praxe

Comentário de um paisano sobre a praxe ali perto: «Ainda nem os deixaram ir ver a universidade e já os estão a foder.»

Ou de como a sageza popular é suficiente para deitar por terra qualquer treta hipócrita sobre a praxe enquanto forma de introduzir os novos alunos na vida universitária, de os guiar pelo campus, de os integrar na comunidade académica.