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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Chapa Cinco (x 2)

Não sei se é directiva nacional ou idiossincrasia da delegação cá do burgo, mas a Segurança Social responde às reclamações sempre com duas cartas.

A primeira serve unicamente para avisar que a resposta virá na segunda.

A segunda serve para, de facto, não responder ao teor da reclamação.

sábado, 12 de novembro de 2016

O actor e a contra-regra:
Pedro e Mónica na Terra da Carochinha

A versão de Pedro Dias, alegado homicida de Aguiar da Beira, tem tantos buracos, que até estou a pensar substituir o escorredor de alimentos...

13:30
— O Pedro conhecia os agentes da GNR que o abordaram?
— Não, senhora. Não os conhecia de modo algum.
— Nem nenhuma das pessoas que aparecem nas notícias como suas vítimas?
[Pedro Dias olha de relance para a advogada, Mónica Quintela.]
— Não, senhora.
— Mas esteve com elas todas...
— Não.

08:12
— E não sequestrou pessoas?
— De maneira nenhuma. Essas pessoas até o relógio me emprestaram.
— E não roubou carros a essas pessoas?
— Não, pedi o carro emprestado.

18:38
— Nunca roubou?
— Não... Hã, roubei... Roubei meio frango de uma arca de um amigo meu, conhecido.
— De um amigo...?
— De um amigo. Que não soube que eu lá estive.

07:11
— O que é que a sua família soube, até hoje, sobre si? Nestas últimas quatro semanas.
— Nada, absolutamente nada. Não consegui comunicar com ninguém.
— Não o ajudaram? Foi dito várias vezes que o Pedro tinha sido ajudado.
— Coitados, como é que me ajudavam?! [...]

Ou seja, os familiares (que ele próprio reconhece que o amam) e os amigos nunca o ajudaram, mas as duas vítimas de agressão (espancadas, estranguladas, amordaçadas e atadas) da aldeia de Moldes, que nem sequer o conheciam, emprestaram-lhe o carro com que fugiu para Vila Real, e até o relógio de pulso! E tudo isto, apesar de que não só Pedro Dias não as conhecia, como nem NUNCA sequer esteve com elas... Há bons samaritanos!

06:13
— O Pedro Dias está em fuga desde o dia 11 de Outubro, é suspeito do homicídio de duas pessoas e de ter baleado outras três — assume a autoria destes factos?
— O senhor agente da GNR [baleado, mas que sobreviveu] terá certamente mais a dizer sobre o que me fizeram do que eu terei a dizer sobre isso...
— Mas assume a autoria desses homicídios ou não?
— De maneira nenhuma.

11:12
— Para clarificar, o Pedro está a dizer-me que não matou ninguém, não roubou ninguém, não sequestrou ninguém, e que mesmo assim esteve em fuga quatro semanas...
— Sim, não fiz nada do que me acusam até agora.
— Nenhum destes crimes praticou?
— Nenhum desses crimes.
— Portanto, está a afirmar-nos com convicção que se sente um homem inocente.
— Sinto-me um homem inocente, com vontade de defender a minha honra.
— E sente alguma motivação para ter sido perseguido? Como é que justifica, então, que um homem inocente possa ser perseguido?
[Pedro Dias levanta os olhos para a advogada, que lhe sussurra, quase imperceptivelmente: «O GNR...»]
— O senhor GNR poderá facilmente responder-lhe a isso...

13:30
— O Pedro conhecia os agentes da GNR que o abordaram?
— Não, senhora. Não os conhecia de modo algum.

17:18
— Fui ameaçado [com o mandato de busca europeu] logo no primeiro dia, quando me telefonaram.
— Mas alguém lhe telefonou? Até que horas é que teve o telefone ligado? Com quem é que falou nas primeiras horas?
— Uma senhora sargento, que não lhe sei dizer o nome [Nota: noutra parte do vídeo, Pedro Dias identifica a sargento pelo sobrenome] que me ameaçou de morte, disse logo que eu corria risco de vida. Logo no primeiro telefonema que me fez.
— Recorda-se que horas eram?
— Umas nove e meia da manhã, talvez.
— De dia 11.
— De dia 11.
— E foi aí que decidiu pôr-se em fuga, ou já estava em fuga?
— Estava a caminho da minha família, que é o meu centro, o meu universo.
— E depois dessa chamada...
— E depois dessa chamada, mal recebi essa chamada, dez minutos depois estava a ser baleado no Alto da Freita.
— E foi aí que iniciou a fuga.
— Foi aí que tentei sobreviver.

Ou seja, Pedro Dias não conhecia «de modo algum» os agentes que o abordaram. Apesar disso, os dois agentes (um dos quais foi baleado mortalmente, e o outro com gravidade) «fizeram» algo a Pedro Dias (que saiu ileso, ao contrário dos dois agentes que «fizeram» não sei quê).

Mas, não obstante ter sido alegadamente “vítima” do que dois agentes lhe «fizeram» e de ter sido “testemunha” (presume-se, pois Pedro Dias nega ter sido ele) da morte de um militar da GNR, Pedro Dias não denunciou o crime que “testemunhou” nem o “abuso” que sofreu às autoridades. De facto, começou o novo dia como se nada fosse, estando normalmente a caminho da sua família.

(O argumento de que não fez a denúncia às autoridades por temer a GNR não cola: segundo Pedro Dias, ele não estava em fuga, e só soube que estava a ser procurado pelas autoridades às 9h30, quando foi contactado por telefone — isso apesar de umas horas antes ter “testemunhado” um agente da GNR a ser abatido à sua frente, coisa do mais normal do mundo, certamente.)


Parabéns, Dr.ª Mónica Quintela, faz tudo muito sentido.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Vendas por telefone

[versão resumida, a bem da paciência dos leitores]

— Boa noite, fala Fulana de Tal, do Barclays Card. Estou a falar com o Sr. Pedro Carvalho?

— Não, aqui não é Pedro Carvalho. É engano.

— Mas o senhor conhece o Sr. Pedro Carvalho?

— Até posso conhecer algum Pedro Carvalho, porque tanto Pedro como Carvalho são nomes comuns, mas se a senhora deseja falar com um Pedro Carvalho, por que razão ligaria para o meu telefone? Sugiro que se informe quanto ao número de telefone dessa pessoa e tente de novo.

— Não, eu desejava falar com o proprietário deste número de telefone. Tenho o prazer de estar a falar com...?

— O meu nome não interessa, porque não sou Pedro Carvalho, tenho o jantar no prato e a arrefecer e, além do mais, não estou interessado na sua proposta.

— Como é que pode dizer isso, se não sabe do que se trata?

— A senhora já me disse que é do Barclays Card: não estou interessado.

— O senhor já foi cliente Barclays Card?

— Não, nunca.

— Então como sabe que não está interessado em algo que desconhece?

— Olhe, eu também nunca experimentei sexo homossexual, e tenho bastante certeza de que não estou interessado...

— ...

— Não estou a dizer que ser cliente Barclays Card é o mesmo que ser enrabado, mas acho que percebe a minha ideia...

— Ainda assim...

— Desculpe, como lhe disse, tenho o jantar a arrefecer no prato. E mesmo que não tivesse: não estou interessado.

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Está explicado!

Explicação do meu ocasional companheiro de viagem (homem dos seus sessenta anos) para o facto de a Suíça ser verdejante:

«As montanhas estão cheias de árvores, que puxam a chuva. Aquilo come o bicho da atmosfera (sic) e é por isso que é tudo verde e sem poluição.»

segunda-feira, 26 de maio de 2014

Fuga de cérebros

A emigração e a fuga de cérebros são um grande problema português. Especialmente esta última, porque na maior parte dos casos não se faz acompanhar do resto do corpo.

domingo, 18 de maio de 2014

Zombies

O zombie é uma criatura idêntica a nós, excepto no irrisório facto de se achar desprovida de consciência. Embora exteriormente vivo, o morto-vivo está intimamente morto. Por conseguinte, ninguém sabe (salvo por analogia) o que é ser ou sentir-se zombie. Isso torna tal entidade um enigma indecifrável, um constrangimento lógico — e até uma aberração metafísica. Não admira que o Pentágono tenha um plano de acção contra um eventual ataque de zombies. Criaturas assim paradoxais são rigorosamente imprevisíveis.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Charlatanice parlamentar

Alexandra Solnado, autodenominada «terapeuta de almas» e confidente assídua de Nosso Senhor Jesus Cristo (que é o ghost-writer dos livros dela), vai dar uma palestra na Assembleia da República sobre «vidas passadas», no âmbito das Jornadas da Saúde.

Reagindo um pouco a quente, estive quase a dizer no Facebook que a Parlamento não deveria tolerar charlatães — mas então lembrei-me que, se assim fosse, não haveria quem assinasse os decretos e votasse as leis...


Actualização (Público): «Conferência de Alexandra Solnado no Parlamento foi cancelada»

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Génese de um símbolo

Uroboro, serpente que morde a própria cauda, simboliza várias coisas: autofecundação, eterno retorno, união de opostos, perfeição celeste, roda das existências, etc. Menos inefável, há um vídeo que exibe uma serpente concreta a morder a sua cauda efectiva. Afirmam especialistas que tal comportamento ocorre em animais doentes, sem noção do que fazem. Talvez a génese de Uroboro fosse inspirada nessa enfermidade. Os símbolos esotéricos têm sempre um alcance que nos fascina — e uma origem que nos desilude.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Imprudência

Com os cada vez mais evidentes sinais de regresso dos fascismos à Europa (e ao poder; a originalidade da Hungria não durará), com um clima político a leste cada vez mais prussiano, a direita continua, com moral de inquisidor, obcecada em punir os países e as pessoas que, na opinião dela, viveram acima das suas posses. A direita é muito estúpida, conivente ou imprudente. E receio ter escrito imprudente apenas por cortesia ou fair play.

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Acerca do Céu

No hipermercado, noto a presença na mesma prateleira de três livros que anunciam temáticas celestes. Avalio os títulos. O primeiro é de índole experimental: Uma Prova do Céu. O segundo é de carácter ontológico: O Céu Existe Mesmo. O terceiro é de pendor revolucionário: O Céu Muda Tudo. Talvez a dificuldade mais obstinada, para as almas que se entretêm a descrever o Céu — lugar de conflitos domados e de redundâncias certas —, seja encontrar um título minimamente original.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

As cinzas e o inconsciente

Meliantes terão tentado roubar as cinzas de Freud. Usurpar cinzas alheias é uma forma ilusória de ganhar poder sobre as latentes cinzas próprias. Usurpar as do fundador da psicanálise é uma estratégia sinuosa de dominar as forças do inconsciente. Não se trata de matar segunda vez o mensageiro, antes de sequestrar o que sobrou dele. Freud daria, para o sucedido, uma explicação melhor. Talvez os ladrões, numa espécie de círculo hermenêutico, andassem justamente à procura dessa explicação.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Frase anónima

Citar uma frase anónima constitui obscura homenagem aos talentos ignorados. A homenagem perde valor se o conteúdo da frase nos sugerir que todos, ou quase, teriam condições existenciais para formular tal máxima com esforço mínimo. Ela readquire, no entanto, o valor perdido, ganhando até uma pertinência complementar, se o pensamento aí expresso for uma exortação sapiencial que se autocontradiz mediante a ironia cúmplice. Eis uma sentença desse género: «Pensa sempre que és único, exactamente como qualquer outro.»

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

O olvido do ovino

Martin Heidegger produziu três ideias acerca do «ser» que desaguam numa conclusão perturbadora. Primeira: «O ser foi esquecido.» Segunda: «A linguagem é a casa do ser.» Terceira: «O homem é o pastor do ser.» Então o que é o «ser», se reunirmos numa só estas loucas perspectivas? É um ovino que passa a noite no curral da linguagem e que o homem apascenta durante o dia, embora sem consciência de o fazer — porque olvidou esse animal obscuro.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O homúnculo

Embora mãe há vários anos, acredita que os filhos vieram inteiros do marido, passaram uma temporada a crescer dentro dela e abordaram a luz na altura certa. Trata-se de uma versão da antiga conjectura de que existia um homúnculo no interior do espermatozóide. Tento apresentar-lhe uma explicação alinhada com a ciência. A tarefa revela-se penosa. Nunca será sem choque angustiante que se desiste da ideia de que os machos são demiurgos por natureza e homicidas por distracção.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Nascidos entre velharias

Entro numa loja de velharias e noto que há cinco gatos recém-nascidos, de pêlo escuro, a vaguear por ali. Não tardam a aproximar-se. Talvez me conheçam de vidas anteriores, passadas algures na Pérsia ou no Egipto. Um deles tenta acomodar-se sobre um dos meus sapatos, como se o mundo não lhe inspirasse qualquer mistério ou inquietação. Estes animais viram a luz entre múltiplos objectos que insistem em lembrar o fim. Não admira, portanto, que ignorem certos princípios.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Lições da Índia

Recebo por e-mail um anónimo texto circulante. Lê-se aí que, na Índia, ensinam «quatro leis da espiritualidade»: «A pessoa que vem é a pessoa certa.» «Aconteceu a única coisa que poderia ter acontecido.» «Toda a vez que iniciares algo é o momento certo.» «Quando algo termina, termina.» E há um voto: «Sejamos fortes nesta caminhada rumo ao progresso espiritual.» Pergunto: ante pessoas oportuníssimas, rigorosas inevitabilidades, começos perfeitos e desenlaces categóricos, como é que o espírito afinal progride?

terça-feira, 24 de setembro de 2013

Deus não é um ET, bolas

Num questionário qualquer (sim, esse que no final faz de todos nós nórdicos) fui confrontado com a questão de acreditar ou não em Deus. A pergunta, com certa crueldade, não permitia nuances ou agnosticismos, não deixava espaço para o conforto da neutralidade ou do adiamento. A reposta tinha de ser «sim» ou «não». Acreditas ou não acreditas, perguntei a mim mesmo, sentindo-me encurralado, confrontado, obrigado a decidir-me. Disse que não, porque tudo à minha volta e dentro do meu cérebro grita «não». Mas a dúvida permaneceu. Talvez por medo, medo católico de que os meus modestos pecados mereçam ainda assim as chamas do Inferno. Talvez por uma cautela de inspiração pascaliana. Certamente pela vergonha instintiva de me mostrar crente num mundo pragmático. Respondi negativamente lamentando que não houvesse a opção «não sabe/não responde» disponível em inquéritos mais sensatos.

Entretanto vi um post a informar que «Luzes no céu voltaram a ser observadas de Norte a Sul de Portugal» e o meu coração acelerou, a minha alma excitou-se. Não como acontece aos peregrinos que, a caminho de Fátima, desatam a cantar «a 13 de Maio…» sempre que à noite os sobrevoam as luzes do helicóptero do INEM transportando mais uma vítima da sua própria promessa. O post era do site UFO Portugal e parece que as luzes não eram balões de LEDs.

Suponho que um bispo da IURD me perguntaria o que há de errado em mim, um tipo devidamente crismado que rejubila mais com notícias de nerds do que com as boas novas do Velho Testamento. E alguma coisa deve haver, claro. A possibilidade de testemunhar um milagre religioso deixa-me indiferente ou atento aos sinais de fraude, disponível para rir e derramar paternalismo. A hipótese de um avistamento extraterrestre, pelo contrário, põe-me a olhar discretamente os céus, a sonhar com encontros imediatos, a correr para o clube de vídeo para alugar de novo Contacto. Embora não desaproveite a oportunidade para rir e derramar paternalismo (nunca se deve perder uma).

Encontrar Deus é o susto de me ver desmascarado na minha hipocrisia, no meu cinismo, na minha pusilanimidade, nos meus vícios. Encontrar um ET é tocar o verdadeiro Mistério. Jamais senti uma epifania ou qualquer tipo de excitação da alma ou do intelecto nos meus contactos com a Bíblia; mas senti-me inquietante e maravilhosamente próximo do Inefável quando li Encontro com Rama, de Arthur C. Clarke.

Suponho que isto diga também qualquer coisa sobre as tão propaladas virtudes literárias da Bíblia, faça dos evangelistas autores menores, se comparados com Isaac Azimov ou Philip K. Dick. Imagino que as coisas poderiam ser diferentes se Marcos, Mateus, Lucas e João tivessem sabido deixar o rosto do Senhor desconhecido, em vez de fazerem do simples acto de nos vermos ao espelho um spoiler. Se tivessem inventado um 13.º apóstolo tão fugaz e perturbante quanto o 8.º passageiro. Se, eles e os seus continuadores, tivessem conseguido fazer uma narrativa menos autobiográfica, recalcada e catártica (logo, amadora). E, claro, se não tivessem assinado os seus livros com nomes de cantores pimba brasileiros.

Deus está no meio de nós e esse é o problema. Ele devia ser apenas uma probabilidade ínfima e ignota na zona habitável da estrela Gliese 667C ou de outra mais distante.

O terceiro animal

Isaiah Berlin destacou o aforismo de Arquíloco: «A raposa sabe muitas coisas, mas o ouriço sabe uma coisa muito importante.» A frase parece inventada pelos ouriços — para poder ser citada pelas raposas. Acrescente-se um terceiro animal: o caracol. Este molusco sabe poucas coisas, mas duas muito importantes. Sabe que é um dos bichos mais lentos: todos o constatam. Sabe também que é um dos bichos mais rápidos: já chegou ao destino e ainda mal saiu de casa.

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Técnicas

Uma técnica defensiva relativamente a «incómodos pensamentos dolorosos» consiste em negá-los à consciência, evitando traduzi-los em imagens e palavras. O exercício, porém, revela-se falível: os pensamentos vagueiam por perto, fantasmas sedentos de epifania. Outra técnica passa por considerar tudo ilusório e oco: volvidas décadas, não excederemos pó e esquecimento. A intenção é fecunda; o resultado, oco e ilusório. Há uma terceira técnica, mas imponderada: além de pressupor a colaboração do adversário, só pode ser usada uma vez.