Ao fim de quase quatro anos a foder-nos, o Governo finalmente pede ao povo português: «VEM».
Quatro anos, Sting, quatro anos! Toma e embrulha.
Ao fim de quase quatro anos a foder-nos, o Governo finalmente pede ao povo português: «VEM».
Quatro anos, Sting, quatro anos! Toma e embrulha.
A revelação de que Pedro Passos Coelho deveu cinco anos de contribuições à Segurança Social, e que só quando o Público levantou a lebre é que o primeiro-ministro pagou parte (!) dessa dívida, gerou dois tipos de reacções: a dos membros do Governo e estruturas do PSD, lestos a encontrar culpas alhures, e a das pessoas com algum sentido de verdade.
As reacções governamentais e afins não comentarei para lá de dizer que, está visto, não há limites à falta de vergonha. (Eu é que ainda tinha ilusões neste particular.) Quanto às restantes, venho aqui pôr-lhes um embargo, passando desde logo por cima de apodos como «caloteiro», que me parecem apoucadores da discussão.
Alegou Passos Coelho que «não tinha consciência» de que as contribuições para a Segurança Social eram obrigatórias. Esta estranha “defesa” foi recebida, unanimemente e bem, com a recordação de um princípio fundamental do Direito: o desconhecimento da Lei não obsta à obrigação de a cumprirmos — ou em tudo se alegaria ignorância e siga a festa! Mas aqui surgiu uma divisão: entre os que descartaram tal alegação como pura mentira (como poderia um político profissional, ex-deputado, desconhecer o mais básico das suas obrigações legais?) e os que classificaram de inadmissível que tamanho ignorante desempenhe cargos públicos, para mais que encabece o Governo.
Disseram alguns destes últimos que já desconfiavam que Pedro Passos Coelho subira nas estruturas partidárias, não por mérito, mas por uma cuidada mistura de servilismo, clientelismo e compadrio, a que haveria a somar uma cara laroca para fazer boa figura nos cartazes de campanha: mais do que timoneiro, o primeiro-ministro seria o “poster boy” dos demolidores do Estado. A admissão de ignorância permitiria também contextualizar a insensibilidade de um primeiro-ministro que, em Setembro de 2012 (quando já sabia ser devedor à Segurança Social), veio anunciar um brutal aumento da Taxa Social Única a pagar pelos trabalhadores: Pedro Passos Coelho simplesmente «não tinha consciência» do que estava a falar — para ele não seria clara a diferença entre TSU e RSU, tal como, acrescentavam alguns, entre BCE e BCG...
Admitindo alguma verdade no diagnóstico expresso no parágrafo anterior, venho aqui deixar o meu embargo: mais do que da ignorância pura e dura, Pedro Passos Coelho foi vítima de uma ignorância (ou incompreensão) mais subtil, que designarei «literalismo reducionista», abrindo de seguida parênteses para, com um exemplo, deixar claro em que consiste tal conceito.
[Na minha infância, no Pátio das Cantigas, existia um grande tanque ao ar livre, pertencente à cerca do antigo Convento de São Domingos. Esse tanque era o local de eleição para a desova de dezenas de rãs, de que nasciam, para nosso fascínio de crianças, centenas de girinos que designávamos “peixes cabeçudos”.
Lembro-me que a certa altura começaram a surgir quantidades apreciáveis de girinos mortos. Fui rápido a apontar a suposta causa: tendo o tanque sido limpo pouca semanas antes, os anfíbios morriam à fome, por falta das algas a que chamávamos “lodo”. E tão certo estava do meu diagnóstico que, tendo aprendido havia pouco a escrever, logo fiz questão de comunicar por escrito à minha irmã as minhas conclusões quanto a tão preocupante hecatombe: «Os peixes cabeçudos estão a morrer porque não à lodo.» Assim mesmo, com «à» em vez de «há».
O bilhetinho foi lido pelo meu pai, que logo me chamou a atenção:
— Fernando, então já não te dissemos que quando há ou existe se escreve com agá, e que só nos outros casos é que é sem agá e com acento para trás?!
— Pois é, Pai, mas neste caso não há lodo!
De facto, conforme era visível no meu bilhete, eu inicialmente escrevera «há», mas, atendo-me literal e redutoramente à noção de que assim, com agá, era só e só quando havia algo, tinha riscado a palavra correcta e escrito «à» por cima.]
E assim voltamos à «falta de consciência» de Pedro Passos Coelho de que, enquanto consultor da Tecnoforma, estava obrigado a pagar contribuições sociais.
Ao contrário do que alguns, inegavelmente mal-intencionados, afirmaram, o primeiro-ministro não ignorava tout court a obrigatoriedade de os trabalhadores independentes contribuírem para a Segurança Social. Em boa verdade, Passos Coelho, caindo como o eu da minha infância no erro do literalismo reducionista, simplesmente acreditava estar isento: na sua inocente interpretação da letra da lei, tais contribuições obrigatórias aplicavam-se exclusivamente aos detentores de rendimentos do trabalho — e a sua colaboração com a Tecnoforma configurava um tacho.
P. S.: É também falso que Pedro Passos Coelho não saiba a diferença entre TSU e RSU, ou entre BCE e BCG. O primeiro-ministro sabe bem a diferença: em ambos os casos, «uma letra».
José Diogo Quintela (JDQ) assina no Público de hoje um artigo de opinião sobre a polémica à volta das declarações do ministro Rui Machete de que haverá jihadistas portugueses, a maioria raparigas, que querem desertar das fileiras do Daish.
(Ver o meu post sobre a adopção do termo Daish para designar o proto-estado terrorista surgido no Iraque e na Síria.)
Ao contrário de Ricardo Araújo Pereira (RAP), de quem li diversas crónicas, ouvi diversos comentários e vi diversas intervenções públicas — mais ou menos sérias, mais ou menos satíricas, quase sempre brilhantes —, de JDQ pouca coisa tenho lido, pelo que corro sérios riscos de injustiça no diagnóstico que agora avanço: a este “Gato”, ao contrário de a RAP, falta um pouco (para sermos simpáticos) de perna que lhe permita dar a passada que leva do humor puro e simples, com tons de nonsense, ao comentário jocoso e até sarcástico, mas certeiro.
Opina José Diogo Quintela:
Não se trata apenas de ter colocado em perigo as raparigas que se alistaram numa guerra. A inconfidência de Machete é um símbolo do desprezo deste Governo para com as condições de trabalho em que os jihadistas lusos espalham a morte na prossecução dos objectivos da organização terrorista onde são voluntários.
Os deputados da Comissão devem certificar-se que o Governo está a fazer tudo ao seu alcance para garantir o bem-estar dos nossos compatriotas terroristas. [...] Talvez fosse boa ideia enviar uma delegação da Autoridade para as Condições do Trabalho.
O texto de JDQ mostra que ao humorista falta pensamento estratégico: a sua sofisticação nesta matéria situa-se ao nível da dos intervenientes na “Liga dos Últimos” — ou, para usar uma referência mais contemporânea, ao nível da do ministro Rui Machete.
O caso Rui Machete, de resto, é deveras interessante, porque misterioso: estaremos perante um caso de discurso não filtrado pelo cérebro (aquilo que no meu Pátio chamávamos «ser boca de lavagem»), de burrice pura e simples, ou de senilidade? Pela minha parte, inclino-me para uma das duas últimas, em especial tendo em conta declarações posteriores do ministro, de que não teria «revelado a identidade de ninguém».
(Segundo as estimativas, haverá 12 a 15 portugueses nas fileiras do Daish, incluindo duas ou três raparigas. Mesmo não revelando as suas identidades, não será difícil às chefias do grupo terrorista vigiar mais atentamente uma dúzia de pessoas... Cereja em cima do bolo, tendo em conta que o ministro dos Negócios Estrangeiros revelou que os potenciais desertores seriam «dois ou três, sobretudo raparigas» — e admitindo que os jihadistas, ao contrário do ministro, sabem fazer contas —, a tarefa de descobrir os relapsos não é intelectualmente exigente, em especial para uma organização que, ainda que de cortadores de cabeças, vai além do machete.)
Mas voltemos a José Diogo Quintela: a sua ideia é, resumidamente, «Que interessa que o Daish limpe o sebo aos desertores? São todos terroristas!»
E é aí que JDQ está errado e demonstra o tal défice de pensamento estratégico: interessa, e muito.
Quem me conhece minimamente sabe que o bem-estar dos jihadistas, arrependidos ou não, é tudo menos uma preocupação minha. Mas nem só a preocupação pelo bem-estar dos outros alimenta o nosso interesse em mantê-los vivos: um desertor é uma aquisição valiosa.
Em primeiro lugar, um desertor pode revelar informação militar importante. Este, em princípio, não será o caso dos jihadistas portugueses, que, tanto quanto se sabe, terão “patente” relativamente baixa. Adicionalmente, e ao contrário do que JDQ dá a entender, não há qualquer indicação de que as “noivas da Jihad” estejam efectivamente a combater: conhecendo o que os fundamentalistas preconizam para as mulheres, o mais certo é que a participação destas se resuma ao apoio emocional dos combatentes, recompensando-os pela sua entrega à Causa do Profeta, e ao papel de parideiras; mulheres em armas, a combater, é coisa dos «apóstatas» curdos... Mas, ainda assim, o valor da informação que eles ou elas possuam só pode ser apurado se chegarmos a interrogá-los — circunstância que, médiuns à parte, requer que se mantenham vivos.
Em segundo lugar, um desertor pode ajudar a perceber como funcionam os circuitos de recrutamento dos radicais, como se processou tão rapidamente a sua adesão a uma versão tão extrema e violenta do Islão. Além de a reconstituição do seu percurso de radicalização permitir, eventualmente, chegar a “peixes” mais gordos, a simples compreensão dos mecanismos sociopsicológicos que levam à adesão à Jihad pode revelar-se valiosíssima no combate ao marketing jihadista.
Finalmente, a possibilidade de apresentar desertores da Causa é uma das melhores formas de a minar. As causas radicais vivem quase exclusivamente do monolitismo interno e da percepção de um confronto Nós/Eles. A existência de desertores entre as fileiras dos que realmente conhecem a verdadeira face da Causa — e que falam a mesma linguagem dos seus novos potenciais aderentes — será mais um trunfo no combate ao discurso radical.
Vamos abrir mão destes trunfos?
Segundo o Jornal de Negócios, o Governo prepara-se para taxar telemóveis, tablets e todos os equipamentos digitais que possam gravar ficheiros, leia-se: pens e cartões de memória, discos rígidos, CDs e DVDs graváveis, caixas descodificadoras de televisão, etc., etc., etc. O dinheiro assim conseguido será usado para pagar direitos de autor, leia-se: entregar à Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) para que o distribua entre os amigos, segundo critérios que só a SPA conhece.
Esta legislação é uma aberração legal num Estado de Direito.
Taxar direitos de autor num produto, porque «pode» servir para um acto ilícito (armazenar ilegalmente imagens e sons sujeitos a direitos de autor) é uma flagrante inversão do ónus da prova.
Note-se: com tal legislação não estamos sequer no caso, já de si extremamente preocupante, de o Estado se furtar à obrigação de provar que determinado crime foi cometido por Fulano. Não, esta legislação, a ser aprovada, vai mais longe, desce mais fundo no poço autoritário: nem sequer é preciso ter havido crime, o Estado simplesmente pune (através de uma taxa) todo e qualquer adquirente, sob o pretexto de que o produto adquirido «pode» servir para cometer um crime! E usa o dinheiro para “indemnizar” a parte que talvez nem sequer tenha sido lesada.
Para esta aberração legal, é irrelevante que o equipamento adquirido nunca venha a armazenar produtos sujeitos a direitos de autor, ou que o faça legalmente. Eis a “igualdade” em versão Governo/SPA: pagam todos, do justo ao pecador.
No meu telemóvel não há músicas, vídeos só os feitos por mim, fotos só pessoais? Não importa: paga.
No meu PC só há software (gratuito ou cuja licença paguei), ficheiros Excel e afins, algumas músicas ripadas legalmente de CDs que comprei e cujos direitos de autor paguei? Não interessa: paga, paga de novo.
No meu iPod só há músicas compradas no iTunes, pelas quais também já paguei os devidos direitos de autor? Não importa: paga outra vez.
As músicas que tenho, adquiridas legalmente ou da minha própria autoria, não são de qualquer membro da SPA? Não interessa: paga — a SPA agradece.
Mesmo que nalgum do meu equipamento venham a existir produtos sujeitos a direitos de autor não devidamente remunerados, a taxa é cobrada no acto da compra do equipamento, isto é, antes de qualquer eventual crime ser cometido, pelo que a SPA não tem maneira de saber quais os autores lesados (e que, por isso, mereceriam ser compensados)? Não interessa: paga — os caminhos da SPA são insondáveis...
A aberração legal que constitui uma tal taxa sobre um ilícito potencial é mais claramente ilustrada com a aplicação do mesmo critério a outras áreas do comércio e da vida em sociedade:
Que, a partir de agora, todo o cidadão que compre uma faca seja condenado a passar um fim-de-semana na prisão — pois uma faca «pode» ser usada para matar alguém. Não é preciso provar que Fulano é um homicida. De facto, nem é necessário que tenha havido (ou venha a haver) qualquer homicídio. Uma faca tem um potencial homicida, a sua aquisição deve ser punida.
Pensando melhor, nem só de facas vive o homicídio. Há inúmeras maneiras de matar alguém, inclusive só com as mãos. Todo o ser humano «pode» vir a ser um homicida. Coerentemente, a partir de agora, que toda a criança seja à nascença condenada por homicídio potencial!
(Pena a ser cumprida apenas após alcançarem a maioridade — não somos bárbaros, quê!)
Uma notícia no Público de hoje faz saber (para os que andam distraídos) que «Austeridade nas escolas teve o triplo da dose prevista» no memorando de entendimento com a Troika. A mensagem política é clara: «A Educação é supérflua, é um luxo».
(Se em tudo se cortou mais do que nos era pedido, mas mesmo assim só se alcançaram os objectivos do défice porque, de desaire em desaire, esses objectivos foram sendo relaxados, surpreende que ninguém com responsabilidade discuta com seriedade o que correu mal. Ou talvez não surpreenda, se quem tem responsabilidade não tem seriedade.)
O artigo no Público é bastante esclarecedor, nomeadamente quanto ao aumento brutal da burocracia (contrariando a anunciada autonomia), mas tem uma frase que, talvez tirada do seu contexto original, é enganadora. A certa altura, um director escolar queixa-se da degradação das condições de trabalho, dizendo: «Neste momento, os professores só têm tempo para dar aulas, não têm tempo para mais nada». Com tal desabafo, o entrevistado queria certamente dizer que o aumento da carga de trabalho estava a privar os docentes de tempo para terem vida própria e familiar, mas a frase, assim, é ambígua, pois dá a ideia errada de que aos professores só é pedido que dêem as aulas. Ora, pelo menos nas escolas de que tenho conhecimento, passa-se precisamente o contrário: o aumento brutal da burocracia, de que se queixam os directores, transbordou completamente pela hieraquia abaixo. Os professores passam cada vez mais tempo a fazer “tretas” burocráticas que lhes tiram tempo e ânimo para o que realmente interessa: ensinar. Tais mudanças em nada beneficiaram os alunos.
Fui das pessoas que saudaram a chegada de Crato ao Ministério, por conhecer as críticas (justas) que fazia à Educação. Hoje considero-o um traidor, um mercenário. O economista (que ele também é, de formação de base) venceu sobre o pedagogo.
O sistema é gerido politicamente de forma terrorista.
O vídeo da companhia Rubberbandance que inspirou o post anterior não é necessariamente o mais representativo. Sê-lo-iam mais estes espectáculos da companhia Peeping Tom: “32 rue Vandenbranden” e “Le Sous Sol”, ou este, da C de la B: “Ashes”, vistos em Guimarães e no Porto. Por outro lado, várias companhias ou coreógrafos portugueses poderiam também elucidar o que disse no post. Neste campo, como de resto nos mais variados géneros musicais e no teatro, o país não padece de talento e profissionalismo como padece por exemplo na política e na gestão. A juntar-se a ex-elementos do Ballet Gulbenkian e da Companhia Nacional de Bailado, há uma nova geração de intérpretes (e coreógrafos) com formação sólida, experiência (tantas vezes internacional) e talento que infelizmente terá agora menos oportunidades de desenvolver o seu trabalho. O Portugal dos últimos anos — «europeu» no sentido civilizado, culto, sofisticado, cosmopolita, democrático e descentralizado que se costuma utilizar para falar da Europa central —, o país onde as pessoas podiam fruir o seu gosto pela dança contemporânea sem precisarem de se deslocar com demasiada frequência a Lisboa, muitas vezes sem precisarem sequer de sair da sua cidade ou da cidade de província que por algum acaso estavam a visitar, está a terminar. A troika, o governo e o statu quo encarregar-se-ão de devolver o país à condição de provinciano e de gosto único.
Leio no Notícias ao Minuto que Poiares Maduro, o ministro “meio-Relvas”, disse:
A RTP tem 1.800 trabalhadores e as estações privadas têm 400. Nada justifica uma diferença tão grande. Temos de reduzir os recursos humanos para investir na grelha.
Talvez a RTP tenha mesmo pessoal a mais (provavelmente, tem) — mas pergunto que percentagem dos programas de cada canal é feita com meios próprios e que percentagem é feita por produtoras externas contratadas. E qual o custo total depois de contabilizadas cada uma das componentes (produção interna e contratação externa).
Porque a comparação tem de ser feita desta maneira — vendo o custo total da operação, não a dimensão do quadro de pessoal.
Até pode ser que nessa comparação a RTP saia ainda pior (não faço a mínima ideia), mas é essa comparação que tem de ser feita. Tudo o resto é demagogia. Ou ideologia (o que vai dar no mesmo, dada a estatura moral destes políticos).
Há uma certa ironia no facto de a Quetzal, que publicou em 2010 o livro Mudar, o “mein kampf” de Passos Coelho, ser a mesma editora que lançou no final do ano passado Austeridade — A história de uma ideia perigosa. Se pudéssemos ver nisto um ciclo, a abertura e o fecho de um ciclo…
As opiniões que se lamentam sobre os parcos vencimentos dos políticos dividem-se em pouco mais de três géneros: as hipócritas (ou cínicas), as ingénuas (mas cultíssimas e seguríssimas da verdade) e as simplesmente patetas, de adolescentes esperançosos e ambiciosos que ensaiam todos os dias ao espelho a célebre proclamação «mãe, sou ministro!».
Diz esta tríade que só pagando bem a democracia conseguirá atrair os melhores e reformar-se (talvez evoluindo de «representativa» para «mercenária»).
O que é curioso é que não ouvimos estas pessoas concluírem, logicamente, que hoje estamos mal servidos de governantes e políticos. (Pagamos mal, logo não temos os melhores, certo?) Várias delas não o concluem porque são governantes e políticos no activo e seria embaraçoso, digamos, confessarem-se da ralé, profissionais de terceira que aceitam quaisquer trocos. Os que não são governantes ou dirigentes são acólitos ou pauzinhos de bandeira: perderiam a possibilidade de uma carreira no partido se levassem o seu próprio raciocínio até ao fim e deste modo menorizassem os chefes. Uns poucos estão fora dos partidos mas são ainda assim demasiado ligados ao sistema para se atreverem à inconveniência pouco burguesa de unir as pontas: «pagamos mal, temos merda». Sobra talvez um ou outro Vasco Pulido Valente, mas estes diriam sempre que temos merda, mesmo que pagássemos à merda o seu peso em ouro.
Na verdade, tirando o supracitado e estatisticamente irrelevante VPV, ninguém dos que se queixam da exiguidade de honorários da República parece considerar de facto que estamos mal servidos de políticos. Veja-se a forma como defenderam Relvas e defendem qualquer idiota, irrevogável ou não, que esteja lá a representar os seus interesses ou ideias.
Por outro lado, eles não acham o valor do salário assim tão relevante, porque na primeira oportunidade saltam para o governo ou para o parlamento. Quantos secretários de estado estão neste executivo que não tenham antes chorado num jornal ou num blogue a miserável folha de pagamentos dos cargos políticos? Não me venham dizer que, muito humildes e coerentes, só aceitaram o convite porque não se consideram dos melhores. Isso não seria humildade, mas imbecilidade. Dispensamos gente a ocupar cargos só porque eles existem. Dispensamos gestos absurdamente francos e eloquentes («o vencimento é suficientemente mau para o que eu valho»). Se não queremos maus gestores da coisa pública, talvez não devamos abrir excepções para nós mesmos, não acham? Não se martirizem, queremos pessoas competentes. Fiquem de fora a reivindicar melhor salários.
Eu ouço-os dizer que temos de pagar mais para atrair os melhores mas nunca os ouço dizer quem são os melhores. Quem são esses titãs que apenas aguardam a subida dos vencimentos para virem ocupar São Bento com a eficiência de deuses no Olimpo.
Por outro lado, vendo a forma como os dirigentes políticos portugueses saltam dos governos para empresas nacionais ou internacionais “de prestígio”, quase somos levados a acreditar que, apesar das condições adversas, temos tido por cá dos melhores dirigentes. (Ou acreditamos nisto ou reavaliamos a nossa noção de prestígio.)
Talvez haja uma terceira via de pensamento: considerarmos o governo português como um tirocínio, um estágio para mais altos voos, como parece ser. Mas nesse caso, meus amigos, temos de concluir que, para meros estagiários, os dirigentes portugueses não estão nada mal pagos.
Claramente, a versão original do post «Sísifo» pedia para ser reformulada, a bem da pluralidade...
Coisas que me dispuseram bem no Facebook hoje:
Coisas que me dispuseram mal:
Há uns tempos o problema era a produtividade, a função pública precisava de trabalhar mais horas. Hoje soubemos que afinal a função pública pode trabalhar menos horas e que isso, levar mais horas mas menos dinheiro para casa, é bom para as famílias. O empobrecimento passou de necessário a bom.
É como a demografia: a direita tonta que Lomba frequenta (e que, por contágio, o entonteceu) não se cansou durante anos de alertar para a o problema de uma demografia envelhecida, era preciso combater o aborto e fazer filhos, ter grandes e sólidas famílias tradicionais, monárquicas também podia ser. Depois os tontos, muito educadinhos e aperaltadinhos e sabujinhos, abriram a porta à tia troika e foram para o poder com pins na lapela (ler a crónica de Lobo Antunes é imprescindível) e afinal já não importava nada envelhecer o país mandando os jovens emigrar.
Estes bebés prematuros, espermatozóides de gravata ao pescoço, acham que os outros tiveram o mesmo tipo de desenvolvimento intelectual que eles, que também formaram pensamento e currículo na incubadora da Alfredo da Costa. A desfaçatez é tão grande e tão óbvia que num acesso de ternura, como os que por vezes se tem perante os tolinhos da aldeia, somos inclinados a pensar que tomarem-nos por parvos é a maneira deles um elogio, é dizerem-nos que nos consideram seus iguais.
É que tipos destes chegam a acreditar nas imbecilidades que dizem. Não se importam de ser parvos em nome da causa. Sacrificam a sua inteligência (considerando a possibilidade de terem mais do que um Tico e um Teco debaixo da melena beta) e a sua honra em nome de um bem superior (uma entidade tão insondável quanto os mercados, possivelmente um heterónimo destes). Tais secretários de estado e assessores so british, com muito ciência política à inglesa (a francesa é hó-rro-ro-sa!), são as tias louras da direita tonta portuguesa.
Ok, talvez Pedro Lomba tenha mais um neurónio do que Margarida Rebelo Pinto (um Huguinho, um Zezinho e um Luisinho, digamos, ou os Irmãos Metralha), mas a sua argumentação está ao nível da da escritora, é tão possidónia quanto a dela. Não se admire, por isso, sr. secretário de estado, se na rua alguém lhe disser com a igual escárnio: «Vá cortar as unhas!»
Portas: “Em 2014 vamos viver uma espécie de 1640 financeiro”
Vice-primeiro-ministro compara resgate à perda de independência de Portugal para a Espanha em 1580.
O vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, criticou o líder do PS por sustentar que Portugal ficará pior no fim do programa de ajustamento, em Junho de 2014, lembrando que é nessa altura que o país vai recuperar a soberania financeira.
“Em 2011 vivemos uma espécie de 1580 financeiro. Em Junho de 2014 podemos viver uma espécie de 1640 financeiro”, disse, no encerramento do debate na generalidade do Orçamento do Estado (OE), referindo-se ao período em que Portugal esteve sob domínio espanhol.
A comparação que Paulo Portas fez mostra que o Sr. Vice pouco sabe da História de Portugal para além do que se aprendia nos programas do “historiador” José Hermano Saraiva...
Segundo as Estatísticas Históricas Portuguesas, publicadas pelo Instituto Nacional de Estatística, durante a Monarquia não constitucional(nota 1) houve várias Cortes dedicadas total ou parcialmente à criação de «impostos extraordinários». De facto, estas «extraordinariedades» ocorreram pelo menos(nota 2) em 1391–92, 1394–95, 1398 (2 vezes), 1404, 1406, 1418, 1430, 1436, 1441, 1442, 1447, 1451, 1455, 1456, 1460-61, 1471, 1475, 1477, 1478, 1482–83, 1490, 1502, 1525–26, 1535, 1544, 1562–63 e 1619.
Ou seja, no que toca aos tais «impostos extraordinários», durante a soberania nacional (concretamente, a Dinastia de Avis, por muitos considerada a mais “gloriosa” da nossa História...), Portugal recorreu a esta solução pelo menos 27 vezes, o que dá uma média de um imposto «extraordinário» a cada seis anos e meio: o que houve de mais comum (logo, de menos extraordinário) foi a criação de «impostos extraordinários»!
Em contrapartida, nos 60 anos de domínio espanhol, e ressalvando a informação indisponível, apenas por uma vez foi necessário tal.
Outro dado (atenção, Dr. Portas!): em Portugal, livrarmo-nos do «domínio estrangeiro» significou quase sempre a criação de novos e futuramente famosos impostos (a título não extraordinário): assim se passou em 1385 (criação das «sisas», renovadas nas duas Cortes de 1387) e em 1641 (criação da «décima»).
Notas:
(1) O autor chama-lhe «Monarquia Absoluta», mas penso que é um erro histórico considerar que já no século XIII (altura em que começa a cronologia apresentada) a Monarquia, por não ser constitucional, era absoluta.
(2) O teor de algumas Cortes é desconhecido ou não consensual entre os historiadores.
Após acurada reflexão, tornou-se evidente que a versão original tinha de ser corrigida: