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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Chapa Cinco (x 2)

Não sei se é directiva nacional ou idiossincrasia da delegação cá do burgo, mas a Segurança Social responde às reclamações sempre com duas cartas.

A primeira serve unicamente para avisar que a resposta virá na segunda.

A segunda serve para, de facto, não responder ao teor da reclamação.

quarta-feira, 2 de março de 2016

O direito a ser burro

Henrique Raposo escreveu um livro.
Parece que o livro está devidamente indocumentado no que concerne o tema sobre o qual versa. Como diriam os anglófonos, «that’s reassuring»: ficamos com a certeza de que o livro foi mesmo escrito pelo seu alegado autor. (O mesmo não se pode dizer, segundo consta, da dissertação de mestrado de José Sócrates.)

Mas as reacções nas redes sociais não se fizeram esperar e, como soe nas redes sociais, assumiram dimensões imerecidas pelo calibre intelectual do escriba. Consta que descambaram mesmo em ameaças à integridade física de Raposo. A galeria onde deveria decorrer a apresentação do livro acabou por cancelar o evento — não em protesto contra a falta de qualidade e rigor do livro, mas por medo da polémica.

Acho mal. Henrique Raposo é burro, e com todo o direito a sê-lo!
O homem não merecia que fermentasse em mim o desejo de dizer «Je suis Raposo».
(Um derradeiro rasgo de lucidez controlou-me a mão: o que saiu foi a imagem que acompanha estas linhas.)

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Há um só Deus* — e é medricas

BOOH! Scared you, did I, you shitty God? (God is small.)

Uma confissão:

O projecto desta t-shirt foi criado no Verão passado, quando chegaram as primeiras notícias de que os terroristas do Daish (também conhecidos como ISIS, entre outras designações para a mesma estupidez e barbárie) andavam a destruir tesouros arqueológicos na Síria e no Iraque.

A verdade é que, uma vez pronta, hesitei em publicá-la. Tinha especiais dúvidas quanto a manter ou não a inscrição em árabe. (Para os curiosos, trata-se de uma inversão de sentido do tradicional takbir.) Manietava-me um receio algo difuso de ordem física, bem como a possibilidade de ofender alguns amigos que, não me conhecendo assim tão bem e tendo a desvantagem adicional da diferença cultural, podiam sentir-se visados por algo que, na minha perspectiva, não lhes era dirigido (ou eu não seria amigo deles).

A hesitação durou alguns dias. Foi o suficiente para que as notícias mudassem: à destruição de estatuária assíria seguiram-se execuções em massa, decapitações, crucificações, sequestro de escravas sexuais... Perante isso tudo, o meu «Booh!» pareceu-me deslocado no tempo e no tom: a t-shirt manteve-se fechada na sua gaveta digital.

Uma característica dos seres adaptáveis é que se habituam às novas circunstâncias. Meio ano depois, não é que a barbárie do pseudo-Califado se tenha tornado aceitável, mas tornou-se certamente parte da paisagem política do nosso tempo: é algo com que contamos. Somando a essa infeliz ausência de estupefacção as renovadas notícias de crimes contra o património histórico da Humanidade (dinamitação das muralhas de Nínive), e tendo presente a manifesta necessidade de sermos um pouco mais Charlie, faço finalmente hoje o que devia ter feito no Verão passado.



* (Ouvi uns boatos...)

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Pihada triste

José Diogo Quintela (JDQ) assina no Público de hoje um artigo de opinião sobre a polémica à volta das declarações do ministro Rui Machete de que haverá jihadistas portugueses, a maioria raparigas, que querem desertar das fileiras do Daish.
(Ver o meu post sobre a adopção do termo Daish para designar o proto-estado terrorista surgido no Iraque e na Síria.)

Ao contrário de Ricardo Araújo Pereira (RAP), de quem li diversas crónicas, ouvi diversos comentários e vi diversas intervenções públicas — mais ou menos sérias, mais ou menos satíricas, quase sempre brilhantes —, de JDQ pouca coisa tenho lido, pelo que corro sérios riscos de injustiça no diagnóstico que agora avanço: a este “Gato”, ao contrário de a RAP, falta um pouco (para sermos simpáticos) de perna que lhe permita dar a passada que leva do humor puro e simples, com tons de nonsense, ao comentário jocoso e até sarcástico, mas certeiro.

Opina José Diogo Quintela:

Não se trata apenas de ter colocado em perigo as raparigas que se alistaram numa guerra. A inconfidência de Machete é um símbolo do desprezo deste Governo para com as condições de trabalho em que os jihadistas lusos espalham a morte na prossecução dos objectivos da organização terrorista onde são voluntários.
Os deputados da Comissão devem certificar-se que o Governo está a fazer tudo ao seu alcance para garantir o bem-estar dos nossos compatriotas terroristas. [...] Talvez fosse boa ideia enviar uma delegação da Autoridade para as Condições do Trabalho.

O texto de JDQ mostra que ao humorista falta pensamento estratégico: a sua sofisticação nesta matéria situa-se ao nível da dos intervenientes na “Liga dos Últimos” — ou, para usar uma referência mais contemporânea, ao nível da do ministro Rui Machete.

O caso Rui Machete, de resto, é deveras interessante, porque misterioso: estaremos perante um caso de discurso não filtrado pelo cérebro (aquilo que no meu Pátio chamávamos «ser boca de lavagem»), de burrice pura e simples, ou de senilidade? Pela minha parte, inclino-me para uma das duas últimas, em especial tendo em conta declarações posteriores do ministro, de que não teria «revelado a identidade de ninguém».
(Segundo as estimativas, haverá 12 a 15 portugueses nas fileiras do Daish, incluindo duas ou três raparigas. Mesmo não revelando as suas identidades, não será difícil às chefias do grupo terrorista vigiar mais atentamente uma dúzia de pessoas... Cereja em cima do bolo, tendo em conta que o ministro dos Negócios Estrangeiros revelou que os potenciais desertores seriam «dois ou três, sobretudo raparigas» — e admitindo que os jihadistas, ao contrário do ministro, sabem fazer contas —, a tarefa de descobrir os relapsos não é intelectualmente exigente, em especial para uma organização que, ainda que de cortadores de cabeças, vai além do machete.)

Mas voltemos a José Diogo Quintela: a sua ideia é, resumidamente, «Que interessa que o Daish limpe o sebo aos desertores? São todos terroristas!»
E é aí que JDQ está errado e demonstra o tal défice de pensamento estratégico: interessa, e muito.

Quem me conhece minimamente sabe que o bem-estar dos jihadistas, arrependidos ou não, é tudo menos uma preocupação minha. Mas nem só a preocupação pelo bem-estar dos outros alimenta o nosso interesse em mantê-los vivos: um desertor é uma aquisição valiosa.

Em primeiro lugar, um desertor pode revelar informação militar importante. Este, em princípio, não será o caso dos jihadistas portugueses, que, tanto quanto se sabe, terão “patente” relativamente baixa. Adicionalmente, e ao contrário do que JDQ dá a entender, não há qualquer indicação de que as “noivas da Jihad” estejam efectivamente a combater: conhecendo o que os fundamentalistas preconizam para as mulheres, o mais certo é que a participação destas se resuma ao apoio emocional dos combatentes, recompensando-os pela sua entrega à Causa do Profeta, e ao papel de parideiras; mulheres em armas, a combater, é coisa dos «apóstatas» curdos... Mas, ainda assim, o valor da informação que eles ou elas possuam só pode ser apurado se chegarmos a interrogá-los — circunstância que, médiuns à parte, requer que se mantenham vivos.

Em segundo lugar, um desertor pode ajudar a perceber como funcionam os circuitos de recrutamento dos radicais, como se processou tão rapidamente a sua adesão a uma versão tão extrema e violenta do Islão. Além de a reconstituição do seu percurso de radicalização permitir, eventualmente, chegar a “peixes” mais gordos, a simples compreensão dos mecanismos sociopsicológicos que levam à adesão à Jihad pode revelar-se valiosíssima no combate ao marketing jihadista.

Finalmente, a possibilidade de apresentar desertores da Causa é uma das melhores formas de a minar. As causas radicais vivem quase exclusivamente do monolitismo interno e da percepção de um confronto Nós/Eles. A existência de desertores entre as fileiras dos que realmente conhecem a verdadeira face da Causa — e que falam a mesma linguagem dos seus novos potenciais aderentes — será mais um trunfo no combate ao discurso radical.

Vamos abrir mão destes trunfos?

sexta-feira, 20 de junho de 2014

O Tua e a sua canção (ou)vistos pela nova direita

Um grupo de artistas dedicou uma canção ao Tua. A Helena Matos já deverá estar a escrever no pravda da nova direita um artigo a defender que se afogue não só o vale como os artistas. Se faltavam motivos para construir a barragem, dirá ela, agora temos um. João Miguel Tavares, pelo seu lado, pessoa sensível, aumentará o caudal do Tua com uma lágrima ou duas pelo vale e pelos artistas, mas lembrar-lhes-á a sua culpa por canções e paisagens belas serem actividades condenadas num Portugal falido.
Pedro Lomba dirá num briefing falhado que os artistas deviam era estar a contribuir para a demografia fazendo filhos enquanto a água não os cobre. Poiares Maduro tentará tirar-lhes o subsídio de férias e Passos vender-lhes uma formação em aeronáutica que lhes permita emigrar a partir de qualquer aeródromo das redondezas. Que os há-de haver.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

Charlatanice parlamentar

Alexandra Solnado, autodenominada «terapeuta de almas» e confidente assídua de Nosso Senhor Jesus Cristo (que é o ghost-writer dos livros dela), vai dar uma palestra na Assembleia da República sobre «vidas passadas», no âmbito das Jornadas da Saúde.

Reagindo um pouco a quente, estive quase a dizer no Facebook que a Parlamento não deveria tolerar charlatães — mas então lembrei-me que, se assim fosse, não haveria quem assinasse os decretos e votasse as leis...


Actualização (Público): «Conferência de Alexandra Solnado no Parlamento foi cancelada»

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A liberdade de ser e o papel do bobo

Os pobres de espírito e de carácter (e até de inteligência, não pode ser totalmente inteligente quem não percebe o conceito de liberdade individual) hão-de precisar sempre de alguém a quem discriminar, sobre quem fazer recair raivas, preconceitos, frustrações, complexos. A História ensina: mulheres, pretos, judeus, homossexuais… Há sempre um “argumento” de ordem “natural”, “científica” ou “cultural” para negarem ao próximo aquilo de que se consideram legítimos (alguns por direito divino) detentores: a liberdade de ser. É da definição de liberdade global que o direito a ser imbecil, inalienável, tem de se restringir à esfera do próprio indivíduo. Por favor ninguém proponha, neste estádio da civilização, um referendo sobre a possibilidade de as pessoas serem parvas para si mesmas. Direitos humanos não se referendam — e continuamos a precisar de cromos de quem rir. Não os deixemos é legislar, não é esse, historicamente, o papel do bobo.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Tempo vs. Clima: guia abreviadinho para o “Zé”

A América do Norte tem, este Inverno, registados recordes de frio, com temperaturas perto de –30ºC e as Cataratas de Niágara a congelarem parcialmente. Tudo isto, claro, tem feito as delícias dos conservadores, paladinos do consumo desregrado de combustíveis fósseis e inimigos figadais das teorias, predominantes na comunidade científica, sobre as alterações climáticas, que apontam, a médio-longo prazo, para um aquecimento global.

Assim, têm sido publicados por toda a imprensa (e divulgados pelas redes sociais) cartoons do estilo do que aqui reproduzo:


No cartaz:
«Palestra desta noite: “Os Perigos do Aquecimento Global”
ADIADA»


Estas reacções a um acontecimento episódico (o tempo que faz durante uma ou duas semanas), quando não são mero aproveitamento político-económico falacioso, são demonstração de profunda ignorância e arrogância (dois males que não raro ocorrem concomitantemente).

É o “Zé” a achar que as tendências do clima — que é um fenómeno de médio, longo ou muito longo prazo — podem ser compreendidas, em primeiro lugar, pelo vulgo (ele, o “Zé”), em segundo lugar, olhando simplesmente pela janela e vendo qual o tempo — fenómeno de curto ou muito curto prazo — que faz neste preciso momento.

É como ver a morte de um soldado e extrapolar daí quem vai vencer a guerra.

Rodrigues dos Santos* ou uma coboiada?

«Se as pessoas vão gastar dinheiro num livro têm de ter a garantia de que gostarão de o ler.» [diz José Rodrigues dos Santos, insinuando sem qualquer subtileza que as pessoas compram os seus livros porque garantidamente vão gostar. E decerto tem razão.]

Do mesmo modo que sou com demasiada frequência um consumidor de (mau) entretenimento cinematográfico, não me repugnaria, se tivesse o tempo e a vontade, ler um livro de José Rodrigues do Santos. Não tenho contra o entretenimento nada além do remorso de saber que poderia quase sempre utilizar melhor o tempo.
Se nunca senti esse impulso é porque se perde mais tempo com um (mau) livro do que com um (mau) filme e porque o entertainer das letras faz questão de me repelir. Uma coisa é sentirmos a nossa inteligência insultada nas duas horas de um blockbuster para lerdos (passe o pleonasmo), outra é sermos injuriados pelo realizador à entrada do cinema e mesmo assim entrarmos. Há limites.
As entrevistas a escritores, tal como as recensões, são o átrio dos livros. Ali decidimos se compramos ou não o bilhete para a leitura. O que Rodrigues dos Santos nos diz nas suas entrevistas é que, se não formos estúpidos que chegue para o admirar incondicionalmente, não devemos comprar um livro seu. Ora, isso já nós sabemos, mas, tal como no cinema, se não no-lo lembrarem, não é raro que o compremos à mesma.
Na mais recente edição do Jornal de Letras o escritor insiste no argumento habitual: a garantia da qualidade da sua obra é dada pela quantidade de exemplares vendidos. E, como de costume, essa vanglória, que Toni Carreira, um génio da música, usa com mais modéstia e discrição, não lhe chega. Alegando que a crítica o renega por não ser um “autor da linguagem”, acaba, na sua suprema vaidade, a qualificar de ineptos os “autores da linguagem” e na prática qualquer autor e qualquer género literário que não o seu. Por extensão, qualifica também de néscio todo o leitor que ouse apreciar livros diferentes dos que ele escreve.
Ora, que os seus leitores não se sintam insultados por isto significa que de facto só o lêem a ele (e não podem portanto ser garantia de qualidade, por falta de termo de comparação) ou que não têm amor-próprio (dificilmente tendo, pois, espírito crítico). (A hipótese de haver quem o leia descomplexadamente e se estar apenas nas tintas para a boçalidade que ele debita nas entrevistas não é para aqui chamada.)
Eu, que gostaria de ler mais um ou dois autores diferentes do José sem ser insultado por isso e que alimento a esperança de ter ainda um pouco de amor-próprio, decido, não exactamente sentir-me insultado de cada vez que o homem dá uma entrevista, mas sentir-me dispensado de o ler. E a seguir até vejo uma coboiada com menos remorsos.


* O autor é facultativo. Pode ler-se este texto substituindo o nome por Miguel Sousa Tavares ou mesmo Margarida Rebelo Pinto — Portugal é pródigo em autores que por despeito negam direito de cidade ao resto dos escribas.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Da praxe no parque à escatologia: ensaio taxonómico sobre a academia

A propósito de uma sucessão de casos, ou antes, da cobertura jornalística de casos de francos excessos nas praxes académicas, e em sequência de uma débil pressão social ou de uma réstia de escrúpulos, algumas universidades lá assumiram que lhes cabiam desempenhar um papel, não exactamente na formação de carácter dos seus alunos (não exageremos), mas de moderação da selvajaria. Passaram a existir regras um pouco mais restritivas para a praxe em alguns campus. Como em certas cidades mais progressivas do farwest, os alunos foram convidados a deixar as armas no portão. Se querem brincar aos índios e cowboys, que o façam lá fora. A academia nada tem contra os tiroteios e a caça ao escalpe — desde que essas românticas actividades ocorram extramuros.

E também assim a academia volta as costas à comunidade, ao mesmo tempo que renega as suas incumbências fingindo que a sua jurisdição sobre o estudante é limitada pela vedação do campus.

Os grupos de praxe, aliás, parecem não caber no âmbito jurisdicional de nenhuma instituição, civil ou uniformizada. Desde que notoriamente envolvidos — quer como vítimas, quer como algozes — nessa fundamental ocupação dos vinte anos que é a praxe, é-lhes passado um livre-trânsito, uma espécie de carta de alforria para a ignomínia e o vandalismo, sem limitação de decibéis.

Se você, caro cidadão, dando-lhe na veneta, resolvesse, como por aqui se faz, chafurdar ou fazer bodyboard na relva húmida de um parque até transformar o círculo do seu enchafurdamento num lamaçal, ou arrancar, com sequelas para o futuro botânico do sítio, qualquer vestígio de relva no percurso do seu reiterado deslizamento, provavelmente teria um funcionário municipal ou um agente da autoridade a censurar-lhe o comportamento (por mais genuinamente divertido que você estivesse) e a sacar do bloco de multas para lhe pedir contas. Tratando-se de grupos de praxe, as instituições do Estado quando muito abanam a cabeça com aquela indulgência que se oferece às crianças e aos malucos da terra.

Tempos houve em que as cidades médias viam no estudante universitário a galinha-dos-ovos-de-ouro e temiam incomodar a debicante espécie com os seus escrúpulos e as suas preocupações cívicas (se as tinham). Galinhas desta estirpe, achava a mentalidade mercantil dos burgos, deviam ser deixadas a cacarejar estridentemente antes de cada postura. A caca de galinha com que revestiam abundantemente as calçadas da urbe não devia ser censurada, pois saía do mesmo sítio de onde saíam os áureos ovos. A escatologia era assim preocupação dominante nestas pequenas ou médias comunidades, quer na sua acepção científica (relacionando a merda estudantil com a saúde económica do condado), quer na sua dimensão filosófica (o fim dos universitários era o fim do mundo).

Claro que da ignara e vil burguesia mercantil e das instituições dos burgos, constituídas tantas vezes por meros perus emproados ou galináceos da mesma cepa estudantil, não se esperariam conhecimentos zootécnicos. Era natural que desconhecessem serem inúteis as asas das aves poedeiras e, por isso, desadequado o temor melodramático quanto à fuga das galinhas. Seria talvez uma iconoclastia humilhante e traumática alguém informar as comunidades que os Gallus gallus aureos, vulgo estudantes universitários, arrendariam igualmente casas, se alimentariam quotidianamente e quotidianamente apanhariam pifos mesmo que algumas regras da civitas lhes fossem impostas.

Deve ter sido por isso, para não ferir o frágil amor-próprio e os doces sentimentos das forças vivas das terras universitárias, que a academia se demitiu de lançar luz sobre o assunto. (Talvez também para não melindrar o orgulho arrivista e vindicativo dos progenitores no entremez académico das suas crias.) Ou isso ou as reitorias, em vez de faróis, confundem os seus gabinetes insonorizados e de vistas bucólicas com torres de marfim.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Mau, feio! Dá tau-tau, dá!

O blogue Iniciação ao Tédio conseguiu descobrir a educadora de infância de Hugo Soares, promissor deputado e formando de uma dessas grandes escolas de vida que são as juventudes partidárias.

Assuntina Lamares, educadora e sócia-gerente do Jardim Sorna e Dorme (JSD), confirmou à nossa redacção que desde cedo Hugo Soares demonstrou «grande talento para a procura de consensos, além de uma invulgar precocidade elocutória».
Por exemplo, enquanto o típico miúdo de 2 anos, tendo-se atrapalhado com própria inépcia e caído, berrava um simples «Chão mau, feio! Dá tau-tau no chão, dá!», Hugo Soares submetia uma interpelação à administração do Jardim: «Numa altura em que as quedas têm um impacto demasiado grande na vida dos meninos, queremos saber quanto é que o chão custa aos portugueses.»

terça-feira, 4 de junho de 2013

FMI: incapacidade ou desonestidade intelectual?

Leio no Dinheiro Vivo:

Dirigente do FMI: Portugal é uma das 10 fontes de risco mundial

[...] Carlo Cottarelli, o diretor do departamento de assuntos orçamentais do FMI, disse numa aula que deu em meados de maio, no Peterson Institute for International Economics, que Portugal juntamente com Estados Unidos, Japão, Reino Unido, França, Itália, Espanha, Bélgica, Grécia e Irlanda "representam 40% do produto interno bruto mundial, por isso o que acontece nas suas políticas orçamentais tem grandes implicações no resto do mundo".

Pergunto-me o que pesará mais em Carlo Cottarelli: se a incapacidade intelectual, se a desonestidade intelectual. Porque uma delas, pelo menos, está claramente a deixar a sua mossa. Seja qual for, a falácia já foi passada aos discípulos, que bovinamente a terão engolido, indo adubar outras paragens, para nossa desgraça.

Conforme diz, e bem, Luís Reis Ribeiro, autor do artigo do Dinheiro Vivo:

Os dez países referidos por Cottarelli representam 40% do PIB mundial, é um facto, mas faltou dizer que Portugal, por exemplo, vale apenas 0,3% desse total (medido em dólares correntes, dados do próprio FMI). Só os Estados Unidos e o Japão — dois países enormes com problemas de défices e dívidas excessivos — pesam 30% no produto mundial, 100 vezes mais do que Portugal.
Cottarelli não coloca esta questão de dimensão em perspetiva, nem em relação a Portugal, nem em relação a três outras pequenas economias citadas (Grécia, Irlanda e Bélgica). Estes quatro países juntos valem 1,6% da riqueza global. Percebe-se, portanto, que o risco prende-se mais com os restantes 38,4%. [...]

O erro (ou a manipulação deliberada) de Cottarelli está bem tipificado, tendo presença garantida em qualquer Guia de Falácias que se preze. Chama-se “Falácia da Divisão” e consiste em atribuir aos membros individuais de um determinado grupo as características desse grupo, tomando a parte pelo todo. Um exemplo clássico é o ser humano: «O ser humano é consciente; o ser humano é constituído por células; logo, cada célula humana é consciente.»

Pergunto-me se, enviando ao FMI um “raciocínio” do calibre do de Cottarelli, a título de CV, conseguirei um empreguito bem remunerado na organização... Não custa tentar, por isso aqui vai:

«Segundo dados da Amnistia Internacional divulgados pelo The Guardian, em 2008 foram executadas 2390 pessoas a nível mundial. O somatório de execuções levadas a cabo em apenas quatro países (China, Irão, Arábia Saudita e Portugal) perfaz mais de 90% do total mundial. Conclusão: Portugal tem pena de morte e é dos países que mais a aplica.»

Aguardo o e-mail de Christine Lagarde. Gostava de um gabinete virando a poente.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Twitter

Rede social e serviço de microblogging cuja única utilidade e virtude é facilitar o pedido de desculpas pela nossa mensagem anterior.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Com Gaspar e o seu Governo socioterrorista, a estupidez ganha sempre nova e crescida dimensão

O Governo Gaspar continua a mostrar a sua raça.

Agora ficamos a saber que os funcionários públicos que aceitarem a rescisão amigável do seu contrato nunca mais poderão voltar a trabalhar ou prestar serviços a qualquer órgão da Administração Central, Regional ou Local, empresa ou instituto público.

Além de ser uma inaceitável (e inconstitucional*) limitação aos direitos dos cidadãos, é uma estupidez completa.

Então, e se o funcionário que rescindir entretanto se (re)qualificar? Por exemplo, um trabalhador-estudante que até agora era administrativo de um município aproveita e vai acabar o mestrado, sei lá, em Engenharia Civil. Segundo as regras anunciadas, este hipotético cidadão não pode, com as novas (e mais valiosas) qualificações, conseguir um novo emprego na máquina estatal, inclusivamente noutro município que não aquele onde antes trabalhou.
Quer isto dizer que, mesmo que tenha mais qualificações e competência do que outro, será esse outro (menos qualificado, mas “virgem” do Estado) que ficará com o emprego.

Parabéns, assim se promove a meritocracia!



* Constituição da República Portuguesa:
Art.º 13.º, n.º 2: «Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.»
Art.º 47.º, n.º 2: «Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso.»
Art.º 50.º, n.º 1: «Todos os cidadãos têm o direito de acesso, em condições de igualdade e liberdade, aos cargos públicos.»
Idem, n.º 2: «Ninguém pode ser prejudicado na sua colocação, no seu emprego, na sua carreira profissional ou nos benefícios sociais a que tenha direito, em virtude do exercício de direitos políticos ou do desempenho de cargos públicos

terça-feira, 2 de abril de 2013

«É melhor não pensarmos nisso...»

Diz o Rui:

Se não houvesse tiranetes do gosto nas TVs e numa grande quantidade de câmaras, muito povo estaria ele próprio disposto a sair à rua a gritar que «os portugueses quando vão ao teatro querem apenas divertir-se».

Essa é, precisamente, a premissa do livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury.

O grande pecado de François Truffaut, na adaptação ao cinema, foi alterar (ou deixar irreconhecível) esta ideia.

Quando vi o filme, interpretei estar perante uma sociedade com um regime repressivo clássico, que proibia os livros por eles serem perigosos para esse regime, por alimentarem sediciosos (não que os livros em si fossem políticos, mas os regimes repressivos, mais do que os outros, viçam na ignorância). Pensei, com as devidas diferenças, em regimes como o Nazi, o Soviético ou mesmo o nosso Estado Novo.

Mas quando, muitos anos depois, li o livro (que em termos estéticos é pior do que o filme), vi que a ideia era ainda melhor: o narrador faz-nos saber que o sistema repressivo sobre a posse e leitura de livros foi imposto pelo desejo manifesto da maioria, que não queria enfrentar as questões incómodas levantadas pelos livros e seus leitores. Queriam paz de espírito: como ouço frequentemente por aí, «É melhor não pensarmos nisso...».

Por isso Fahrenheit 451 não é redundante face a um, literariamente muito melhor, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro. De facto, os dois são um bom contraponto. O livro de George Orwell fala-nos de um regime ditatorial em que uma minoria oprime e manipula a imensa maioria; o de Ray Bradbury apresenta-nos um regime originalmente “livre”, em que a maioria estupidificada oprime e tenta formatar à sua imagem e semelhança uma minoria (cada vez menor) que se recusa a ir por aí. Fahrenheit 451 e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro formam uma dupla esclarecedora: lembram-nos que a ditadura e a opressão podem lançar raízes em diferentes terrenos.

segunda-feira, 1 de abril de 2013

«Os portugueses não estão preparados para isto»

Na peça “Três dedos abaixo do joelho” os censores de teatro do Estado Novo foram convidados por Tiago Rodrigues a serem co-autores do texto. Na verdade, eles são praticamente os únicos autores, o dramaturgo e encenador limitou-se a copiar e colar inteligentemente frases dos seus relatórios e com isso construir o guião da peça e os diálogos dos actores. Mais de quarenta anos depois, testemunhamos como a liberdade criativa era cerceada e, simultaneamente, como uma elite no poder se achava no direito de interpretar os interesses dos portugueses, ou, pior, como se achava no direito de decidir o que os portugueses conseguiam ou não perceber. A inteligência dos nossos pais e mães, tios e avós, a que se referem vários relatórios, era ofendida com decretos do género: «os portugueses não estão preparados para isto»; «os portugueses quando vão ao teatro querem apenas divertir-se»; «os portugueses não querem estas inquietações, estas perturbações do espírito».

Hoje, quando nos sentamos livremente numa plateia, estaremos a precipitar-nos se sentirmos que isso vinga os nossos antepassados. O facto de ocasionalmente nos permitirmos e nos permitirem entrar numa sala de teatro para sermos inquietados ou perturbados é uma vingança provisória, efémera, sem grande alcance e certamente não garantida.

O país já não dispõe daquelas figuras de lápis azul e mangas-de-alpaca laboriosamente encerradas em gabinetes do Secretariado Nacional de Informação para determinarem ao que o país pode ou não pode assistir. Dispõe de outras: sentadas nas direcções de programação das televisões (pública e privadas) e sentadas na vereação de cultura de uma enorme quantidade de câmaras municipais no país. Não usam o lápis azul porque hoje os amanuenses não escrevem com lápis, nem têm um regime ou uma moral de estado para defender.
Mas têm a mesma ignorância despótica ou a mesma aversão à diversidade e ao livre arbítrio que tinha o Estado Novo. Cidadãos que pensem e escolham livremente são um empecilho na luta pelas audiências e uma dificuldade evitável para uma gestão autárquica que se quer simples como umas férias de Verão.
É verdade que, ao contrário das instituições do Estado Novo, as televisões e as vereações não visam defender um regime nacional ou uma moral pública quando exercem a sua política de estrangulamento ou afunilamento do gosto — mas está na sua natureza defender o statu quo, e, se a moral ganhou em muitos campos uma considerável elasticidade, não foi em geral a suficiente para suportar interesses divergentes.
Um e outro sistema, o das ondas hertzianas e o do feudo provincial, precisam de uniformidade para exerceram a sua influência, as televisões para venderem os seus sabonetes, certo poder autárquico para poder manter-se com os mesmos fracos protagonistas e a mesma atávica incompetência.

Acresce que atávica é também a relação de muitos portugueses com a diversidade e com as coisas que inquietam o espírito. Se não houvesse tiranetes do gosto nas TVs e numa grande quantidade de câmaras, muito povo estaria ele próprio disposto a sair à rua a gritar que «os portugueses quando vão ao teatro querem apenas divertir-se».
Na verdade, fá-lo frequentemente, desdenhando ou considerando uma veleidade insustentável haver concidadãos que queiram ir ao teatro por outras razões.