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sexta-feira, 11 de março de 2016

A Mulher Invisível

A RTP 2 transmitiu esta semana o documentário «A Longa Batalha das Mulheres Pintoras», sobre quatro séculos de avanços e recuos na luta pelo reconhecimento do direito de as mulheres serem artistas. A quem não viu e ainda puder ver, recomendo vivamente, pois é não somente interessante e informativo: é também esclarecedor e, por vezes, surpreendente.

Este assunto já tinha sido abordado numa conferência de Malcolm Gladwell, cujo vídeo traduzi há meses, mas com duas importantes diferenças: por um lado esse autor focava-se numa só artista, por outro enquadrava-a no âmbito mais vasto da discriminação de uma classe por outra.

O programa transmitido pela RTP 2 trouxe-me à lembrança uma colecção publicada nos últimos anos do século XX e que ilustrava, de forma quase caricatural, o quão enraizada ainda está a discriminação da mulher em geral e da mulher-enquanto-artista em particular.

A colecção — «Grandes Pintores do Século XX» — era composta por 48 volumes dedicados a outros tantos artistas:

  1. Henri Matisse
  2. Salvador Dalí
  3. Wassily Kandinsky
  4. Pablo Picasso
  5. Oskar Kokoschka
  6. Jasper Johns
  7. Joan Miró
  8. Edvard Munch
  9. Max Ernst
  10. Henri de Toulouse-Lautrec
  11. Paul Gauguin
  12. Juan Gris
  13. Giorgio de Chirico
  14. Marcel Duchamp
  15. Fernand Léger
  16. Vincent van Gogh
  17. Paul Cézanne
  18. Marc Chagall
  19. Piet Mondrian
  20. Antoni Tàpies
  21. Kazimir Malevich
  22. Francis Bacon
  23. Antonio López
  24. Pierre Bonnard
  1. Henri Rousseau
  2. František Kupka
  3. Georges Seurat
  4. Odilon Redon
  5. Alex Katz
  6. Ben Nicholson
  7. Amedeo Modigliani
  8. Hans Arp
  9. Ernst Ludwig Kirchner
  10. Paul Signac
  11. Georges Rouault
  12. Wifredo Lam
  13. Giorgio Morandi
  14. Francis Picabia
  15. Andy Warhol
  16. Fernando Botero
  17. Georges Braque
  18. Robert Motherwell
  19. André Derain
  20. Jean Dubuffet
  21. Tom Wesselmann
  22. Paul Klee
  23. René Magritte
  24. Max Beckmann

Isto das listas, já se sabe, é coisa sempre melindrosa: cada um tem a sua, e por vezes nem concordamos a 100% com a nossa própria lista.

Na minha assumida ignorância, detecto nesta colecção muitos nomes que desconfio não serem tão relevantes assim e, simultaneamente, saltam-me à vista muitas ausências surpreendentes: Gustav Klimt, Edward Hopper, Egon Schiele...

(Ressalva: tenho noção de que algumas das ausências se deverão, não à idiossincrasia dos critérios estéticos e artísticos dos organizadores da colecção, mas à mais prosaica questão dos direitos de reprodução das obras, que nem sempre terão sido conseguidos.)

Mas uma ausência é notória, e custa-me a crer que possa ser totalmente explicada pela inflexibilidade dos herdeiros dos artistas. Ou melhor, das artistas, porque a ausência — total! — a que me refiro é a de mulheres-artistas: absolutamente todos os quarenta e oito nomes da colecção são de homens. Todinhos.

Exactamente: nada de Georgia O’Keeffe, nada de Frida Kahlo, nada de Tamara de Lempicka — só para referir três nomes que, na minha cultura artística assumidamente limitada, me ocorrem sem esforço. Será crível que todos os herdeiros destas artistas — e de todas as outras que não me ocorrem mas que mereceriam figurar numa tal colecção — se recusaram a ceder os direitos de reprodução das obras? Dificilmente.

Mas, cereja em cima do bolo da gritante discriminação, os organizadores de uma colecção intitulada «Grandes Pintores do Século XX» acharam espaço para Toulouse-Lautrec, um artista que, tendo morrido a 9 de Setembro de 1901, viveu pouco mais de oito meses no século XX, sendo por isso mais correcto considerá-lo um pintor do século XIX.

Pior: também encontraram espaço para Vincent van Gogh, que morreu em 1890, isto é, mais de dez anos antes de começar o século XX!!!

E escusam de invocar como justificação o facto de que um e outro artista só tiveram o justo reconhecimento no século XX: mesmo a ser verdade (o que é discutível), não só é um argumento dificilmente defensável (a colecção é de autores «do» século XX, não de autores «famosos no» século XX), como, a sê-lo, então reclamo a inclusão dos artistas anónimos das grutas de Altamira e Lascaux no rol de «Grandes Pintores do Século XX»...

sábado, 7 de novembro de 2015

Malcolm Gladwell: «Párias, Símbolos e Pioneiros» (palestra)

Malcolm Gladwell, colaborador permanente da revista The New Yorker, deu em 2013 uma interessantíssima (e longa...) palestra sobre uma das formas mais surpreendentes como as classes dominantes garantem a manutenção da sua condição de privilégio.

Gladwell centrou-se particularmente na discriminação das mulheres — na política, na arte, na vida em sociedade em geral —, discriminação que por vezes se mantém, mesmo quando aparentemente a porta se abriu para elas...
(Outro tema importante é o do anti-semitismo.)

O argumento é ilustrado com dois exemplos paradigmáticos: o da pintora inglesa Elizabeth Thompson (1846–1933) e da ex-primeira-ministra australiana (2010–2013), Julia Gillard.

Esta palestra fascinou-me desde que a vi pela primeira vez. Há 2 meses ganhei coragem (e aprendi o procedimento técnico) para traduzi-la e legendá-la.

Uma outra palestra, do mesmo autor e do mesmo ano, centra-se na história de uma das mais importantes sufragistas americanas, Alva Vanderbilt (também conhecida como Alva Belmont) e das razões que levaram esta insuspeita mulher — milionária e privilegiada — a lutar contra o sistema estabelecido.

Infelizmente, quando comecei o longo processo de tradução e legendagem (levou-me 50 dias...), não sabia que havia quase a estrear um filme sobre o movimento sufragista.
Por isso, escolhi começar pela palestra sobre a pintora. Talvez daqui a 50 dias tenha o outro, sobre a sufragista, pronto...

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A liberdade de ser e o papel do bobo

Os pobres de espírito e de carácter (e até de inteligência, não pode ser totalmente inteligente quem não percebe o conceito de liberdade individual) hão-de precisar sempre de alguém a quem discriminar, sobre quem fazer recair raivas, preconceitos, frustrações, complexos. A História ensina: mulheres, pretos, judeus, homossexuais… Há sempre um “argumento” de ordem “natural”, “científica” ou “cultural” para negarem ao próximo aquilo de que se consideram legítimos (alguns por direito divino) detentores: a liberdade de ser. É da definição de liberdade global que o direito a ser imbecil, inalienável, tem de se restringir à esfera do próprio indivíduo. Por favor ninguém proponha, neste estádio da civilização, um referendo sobre a possibilidade de as pessoas serem parvas para si mesmas. Direitos humanos não se referendam — e continuamos a precisar de cromos de quem rir. Não os deixemos é legislar, não é esse, historicamente, o papel do bobo.