terça-feira, 7 de junho de 2016
Avaliar pelas aparências
sábado, 9 de janeiro de 2016
Cortesãos de esquerda
terça-feira, 5 de janeiro de 2016
A timidez e o ‘piropo’
«Eu sou um típico caso de pessoa tímida, não gosto muito que olhem para mim, mas sei que isso é um defeito (…)»
Crise da imprensa: os meus contributos
segunda-feira, 9 de março de 2015
100 Homens, 100 Preconceitos
Imaginem que a Máxima, a revista promotora da campanha, convidava cem homens a experimentarem enfaixar as suas extremidades inferiores como durante dez séculos muitas chinesas tiveram de fazer em nome da “beleza”. Com “pés de lótus”, como com saltos altos, a revista haveria de registar o mesmo género imbecil de comentários masculinos — «isto é muito difícil!» ou «agora damos ainda mais valor às mulheres!» — e as mulheres estariam igualmente mal defendidas. E mal definidas.
A maior dificuldade das mulheres não é caminhar em 'stilettos', claro; já insistir em definir a feminilidade pela forma aguda do tamanco não facilita certamente, quotidianamente, a vida a muitas delas.
sexta-feira, 12 de setembro de 2014
A Morada da Sabedoria
Entre outras sonoridades igualmente melodiosas, o Bacalhau Caralho ecoava no hall de entrada do bastião do conhecimento, da arte, da investigação, dos valores académicos e humanistas por excelência.
domingo, 22 de junho de 2014
Elogio da impassibilidade
sábado, 14 de junho de 2014
Diagnóstico
sexta-feira, 13 de junho de 2014
Profissão de (pouca) fé
O fanico de Cavaco
De resto, depois de, por exemplo, a sua tirada sobre a reforma que aufere, a empatia que as pessoas eventualmente sintam pelo ser humano que ele é será sempre mérito da bondade delas — nunca efeito dos actos dele.
terça-feira, 10 de junho de 2014
Bombos
Observando desfiles populares noutras paragens geográficas, somos forçados a concluir com melancolia que, como povo, nem para descer alegre e ritualmente as ruas temos jeito.
As formações “musicais” mais requisitadas para arruadas nesta zona do globo são as de Zés Pereiras, ou equivalentes. O facto de serem constituídas apenas por percussionistas não seria um mal, se colmatassem a falta de instrumentos melódicos e harmónicos com virtuosismo técnico, variedade e complexidade rítmicas, originalidade de composições, brilho coreográfico, ousadia e destreza física ou elegância de trajes.
Mas não. A popularidade destas formações dá-se provavelmente porque, não necessitando de ponta de génio ou talento, são baratas — e sendo baratas são a desculpa adequada para instituições medíocres e desinteressadas de chamar talento ou génio para as suas cerimónias e festividades.
Acresce que para instituições e um povo do calibre dos nossos, o talento, mesmo que só para o fagote ou a gaita-de-foles, é um distintivo de “elite”, essa ameaça à mediania fundacional da pátria.
P.S. Além dos bombos, o único instrumento que a raça genuinamente ama (pela sua democraticidade, ou seja, por qualquer burro poder tocá-lo) é o triângulo (ou ferrinhos), esse objecto que só em mãos brasileiras ganha qualquer relevância musical.
quarta-feira, 4 de junho de 2014
Deixem o pimba em paz? As artes e o público
sexta-feira, 23 de maio de 2014
Dilúvio
Há duas relevantes estratégias para superar os embaraços desencadeados pelos silêncios da vida social: uma delas consiste em fazer alusões ao estado do tempo; outra, em tecer comentários ao estado a que o país chegou. Existem, no entanto, fórmulas que as sintetizam a ambas. Eis um exemplo, saído de voz tonitruante: «Isto vai tudo acabar em dilúvio!» Trata-se de uma sentença universal, capaz de corrigir qualquer silêncio. Ao invés do dilúvio — que não permite emendar grande coisa.
quarta-feira, 30 de abril de 2014
38
Afirma um estudo recente que aos 38 anos (em média) o homem se torna igual ao seu pai: adormece no sofá, ri das piadas próprias, etc. A figura do progenitor, no entanto, constitui aqui um mero artifício retórico: aos 38, o indivíduo entra no «campo dos velhos» — particularismos genéticos são irrelevantes. Uma tal conclusão, bizarra e totalitária, até dá vontade de adormecer no sofá, de rir das piadas próprias — e das anedotas que estudos assim involuntariamente representam.
quarta-feira, 16 de abril de 2014
O meu prédio é uma metáfora nacional
O meu prédio é uma metáfora nacional. Durante anos apenas nos mijavam diária e copiosamente a entrada principal. Os excessos da boémia académica são o tributo que a terra aceita pagar pelos benefícios de ser uma cidade universitária. Pode dizer-se que Vila Real contribuiu activamente para hoje termos a geração mais indiscutivelmente bem formada da história lusa.
Como o progresso é imparável, no último ano temos também diariamente mijada a porta das traseiras. Já não pelos frequentadores das tascas do bairro, mas por adolescentes do prédio que se acoitam à noite, com as suas playstations, primeiros cigarros e cervejas clandestinos, numa das garagens familiares convertida em sala de jogos.
Lamentavelmente, dentre as benfeitorias levadas a cabo na garagem não parece constar nenhum WC, penico ou algália. Os papás proprietários da garagem não devem ter sentido necessidade disso porque confiam demasiado na elasticidade das bexigas juvenis, ou, mais certamente, porque não utilizam a nossa porta das traseiras, a mais discreta da fachada.
Em consequência da boçalidade adulta e da imbecilidade infanto-juvenil, do desleixo duns e da má-educação doutros, no meu prédio entra-se hoje sempre de mão no nariz e a descolar os sapatos depois de cada passo dado. O exercício é particularmente divertido e peganhento nos dias em que, como agora, há pó verde de pinheiros também nas entradas dos edifícios.
sexta-feira, 14 de março de 2014
O pimba do Senhor
Nos meus tempos de adolescente e néscio (com os anos, abandonei a primeira condição), achei assaz progressista, apesar do traje, um franciscano que me incitou a levar o baixo eléctrico para cima de um palco onde se cantavam hinos ao Senhor. Passou-se isto no catolicismo e numa era anterior à editora Flor Caveira, do evangélico Tiago (Guilul) Cavaco. O pioneirismo católico, aliás, havia-se já manifestado quando na década de setenta a Igreja sobrepôs letras de excitação beata a canções de Bob Dylan. E o aggiornamento não mais parou. Hoje, muito modernas formações musicais louvam o Senhor como aos domingos à tarde se louva na TVI a genitália feminina: com vocalista trejeitoso e partenaires gesticulantes, comprimidas em slim jeans ou calças de lycra e t-shirts um número abaixo. (Se não tivesse visto, não seria capaz de imaginar isto.)
A estética e o sentido coreográfico pimba são tão omnipresentes em Portugal quanto Deus Ele Mesmo. E mais influentes. Não admira que a própria Igreja ache natural que, em palco, se declare amor a Cristo com os passos, os gestos, a melodia, o instrumental e os coros que geralmente se usam na TVI para, com trocadilhos e metáforas de baixa extracção, se aludir a fodas, minetes e broches.
De resto, se é popular, a Igreja procura absorver, como sempre fez com qualquer ritual pagão. Que se lixe a estética e a lógica, se isso lhe permitir recensear mais umas almas (importa-lhe mais a estatística das almas do que as suas práticas). Não se pode é a Igreja admirar que os aleluias gritados no apogeu dos cânticos passem a ter outra conotação e o êxtase deixe de ser místico.
P.S.: «E nós… pimba, Senhor», poderia ser uma resposta moderna ao «crescei e multiplicai-vos», não fosse a contracepção.
P.S.2: Já no Natal, poderiam substituir-se as estrofes gastas do «Noite Feliz» por versos mais modernos: «Mas quem será? Mas quem será? Mas quem será / O pai da criança, eu sei lá, sei lá… eu sei lá, sei lá...»
quinta-feira, 30 de janeiro de 2014
Diálogo de partisans
J.: Vai haver um dia em que as pessoas de bons sentimentos e ilustração terão de se mobilizar contra uma sociedade onde imperam jotinhas e boçais.
G.: Concordo, mas temo é que pelo andar da carruagem essa mobilização seja já a de um movimento de resistência, de sabotagem, clandestino, de sobrevivência — não a de um exército que impressione e vença guerras pela mera exibição do número das suas tropas.
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
A liberdade de ser e o papel do bobo
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
Praxes
Julgo por vezes que ninguém que mereça respeito intelectual simpatiza com o mundo idiota e perigoso das praxes universitárias. O que é que isto significa? Que tenho uma visão restrita das pessoas que merecem respeito intelectual? Talvez. Sou um sentimental, mas não confundo afecto e piedade com admiração. Não acho inteligentes ou iluminadas todas as pessoas que amo ou por quem tenho compaixão. Neste tempo de dificuldades, por exemplo, apiedo-me do país, mas continuo a não o ter lá assim em grande consideração. O país aceita as praxes — eu tenho pena do país também por isso.
O que acho mesmo que isto significa é que ninguém respeitável do ponto de vista intelectual tem poder ou, tendo-o, o quer exercer contra a imbecilidade geral. Isto significa também que à frente de uma parte das universidades, como do país, estão idiotas, comodistas ou cobardes.
A natureza estupidificante e fascizante das praxes universitárias está há muito identificada. Num mundo de adultos, ou num mundo de gente decente e culta, a sua abolição tinha ocorrido há muito, sem dramas, com a veemência célere e inelutável dos gestos necessários e consensuais.
Acontece que Portugal não é nenhum desses mundos. O poder dos reitores e o poder da gente decente e culta é limitado. O respeito intelectual é uma daquelas coisas obsoletas, como a palavra de honra ou a honestidade. Quem o merece, torna-se geralmente clandestino, por segurança. Como nos media e na rua, a indigência intelectual sequestrou o que resta de inteligência e cultura no campus. Os reitores são tolerados no seu posto — não exactamente respeitados ou obedecidos. Os professores não contam, e muitos deles são suficientemente cultos e intelectualmente respeitáveis para abominar as praxes.
No mundo de anedota que é Portugal, os próprios jornais de referência identificam um rapazola qualquer como «ex-responsável pelo conselho de praxes». Notem-se os termos, a sisudez e a gravidade dos termos: «ex-responsável» para definir um ex-cabecilha de uma comandita vocacionada para a galhofice e a humilhação. Como se houvesse naquela figuras alguma ponta de responsabilidade no sentido institucional ou ético do termo. Como se com frequência aquela responsabilidade não fosse meramente do âmbito do Código Penal. E «conselho de praxes», assim, embrulhado em respeitabilidade, em seriedade, como se os adultos dos jornais se empenhassem na brincadeirinha das crianças, sorvessem cerimoniosamente o chá que não está nas chávenas, mastigassem convictos e censurando-se as cólicas a lama dos bolinhos que as crianças lhes dão a comer.
Que a rapaziada nos seus divertidos e irresponsáveis vinte anos crie «conselhos» e nomeie «responsáveis», determine «códigos» que regem a companhia alegre, compreende-se — quem não quis ter na adolescência um clube secreto ou uma casa na árvore? Que os adultos de um país, os seus jornais, as suas instituições e os seus líderes não ponham limites à brincadeira é caso para levar a nação ao divã de Freud ou a internar no Conde Ferreira. Se houver verba. E vagas.
quarta-feira, 22 de janeiro de 2014
Falta de vergonha
Francisco José Viegas toca num ponto essencial: «as pessoas “já não se envergonham” de dizer que não lêem livros.» O mesmo é dizer que as pessoas já não se envergonham de não lerem livros.
Na emancipação do povo português houve este equívoco fatal: as pessoas acharam que a grande vitória era perderem a vergonha da sua condição — quando a grande vitória deveria ser terem ultrapassado a sua condição.
É verdade que em momento nenhum da História deveria ter havido razões para que alguém sentisse vergonha das suas origens humildes. Mas, do mesmo modo que as pessoas procuraram vencer a pobreza enriquecendo, do mesmo modo que ninguém hoje se orgulha de ser pobre mesmo quando tem o azar de o ser, ninguém devia sentir orgulho de não ler. Sai-se de uma situação de carência estrutural suprimindo essa carência, não passando a decretá-la virtuosa. A incompetência do país vive também deste equívoco.
A questão é esta: em tantos casos, mais do que terem perdido a vergonha de não lerem, as pessoas sentem um orgulho revanchista nessa sua recusa dos livros. Como se os livros e a leitura fossem caprichos das antigas classes opressoras e a libertação só ficasse completa com a sua abolição. Muitos destes revanchistas, mais ou menos conscientes do seu jacobinismo desajustado e patético, ocuparam cargos ou conquistaram notoriedade, granjearam influência. Uma grande parte da nossa classe política, da classe política que tem desgovernado o país nas últimas décadas, é constituída por arrivistas destes.
Quem julga que os livros são um problema de editoras e gente ociosa é já um produto desta emancipação falhada. E há demasiada gente com responsabilidades a julgá-lo.
Não direi, para dialogar com a metáfora final do texto de Viegas, que «os bárbaros» já entraram na cidade, mas estamos certamente sitiados pelo glamour da indigência. Armemos as pessoas de vergonha.