segunda-feira, 26 de agosto de 2013
O alívio que vem depois
sábado, 4 de maio de 2013
A cegueira, uma vez mais
(Vítor Gaspar, um caso psicológico — 4)
O Governo de Vítor Gaspar insiste. A recessão não dá tréguas, antes de agrava? Aplique-se uma dose mais forte do “tratamento” que deitou a economia por terra, a ver se é desta que resulta...
Em Setembro do ano passado usei pela primeira vez a expressão «cegueira ideológica» para classificar a acção e as opções político-económicas de Vítor Gaspar y sus muchachos. Os sintomas mantêm-se, como se constata.
Mais de seis meses depois, descobri que a doença já consta da literatura: Em Pensar, Depressa e Devagar, livro a que já me referi por várias vezes, Daniel Kahneman, laureado com o Prémio Nobel da Economia, dedica um capítulo a uma teoria económica que resistiu incontestada mais de 250 anos, apesar de ser relativamente fácil encontrar-lhe falhas graves. Escreve Kahneman (pp. 364–365):
O mistério é como é que uma conceção [...] que é vulnerável a contraexemplos tão óbvios sobreviveu durante tanto tempo. Eu posso explica-la através de uma debilidade da mente académica que observei muitas vezes em mim mesmo. Chamo-lhe cegueira induzida pela teoria: depois de terem aceitado uma teoria e de a terem usado como ferramenta no vosso pensamento, é extraordinariamente difícil reparar nas suas falhas. Se se deparam com uma observação que não parece encaixar no modelo, assumem que deverá haver uma explicação perfeitamente plausível que, de algum modo, vos está a escapar. Dão à teoria o benefício da dúvida, confiando na comunidade de especialistas que a aceitaram. [...]
No caso de Gaspar, sabemos agora, pelo menos um artigo de fé nunca foi consensual ou sequer aceite pela maioria da comunidade de especialistas em Economia — e há agora indícios bastante fortes de que os santos eram de pau oco. Mas os santos de pau oco também têm a sua legião de fiéis, como sabemos. E não das menos fanáticas.
segunda-feira, 25 de março de 2013
(Não) dar a mão à palmatória
(Vítor Gaspar, um caso psicológico — 3)
Leio esta passagem no livro de Daniel Kahneman (p. 289):
Tetlock [psicólogo da Universidade de Pensilvânia] descobriu também que os especialistas resistiam a admitir que tinham errado [nas suas previsões] e, quando eram obrigados a admitir o erro, tinham um largo conjunto de desculpas: apenas haviam errado acerca do momento, tinha surgido um acontecimento imprevisto, ou haviam errado mas pelas razões corretas. [...]
e vem-me à lembrança esta notícia do Público:
Questionado por um jornalista sobre se reconhecia algum erro na forma como o Governo e a troika definiram a estratégia de ajustamento para Portugal e a passaram à prática, Vítor Gaspar não foi capaz de identificar um. [...] Mas se há coisa que é difícil ao olhar para os resultados da sétima avaliação da troika a Portugal, apresentados na sexta-feira [dia 15], é deixar de ver erros, erros de previsão.
[...]
Vítor Gaspar voltou a justificar a deterioração da conjuntura exclusivamente com a redução verificada a partir do final do ano passado na procura externa. [...]
(OK, no caso de Vítor Gaspar, a imaginação só chega para uma desculpa. Mas é-lhe suficiente para dizer que a culpa está toda alhures.)
sábado, 23 de março de 2013
A ilusão de perícia de Vítor Gaspar
(Vítor Gaspar, um caso psicológico — 2)
Há semanas, enquanto almoçava com colegas e comentávamos a política e o estado da economia nacionais, alguém defendeu Vítor Gaspar com o argumento de que ele teria «provas dadas» na área económica, tanto em termos académicos como no “mundo real” da finança empresarial.
Na altura questionei o valor de tais supostas provas, alegando que, pelo menos no caso do meio académico, em áreas “científicas” longe das ciências exactas, a avaliação do mérito é frequentemente inválida, por ideológica: mais vezes do que seria desejável, o avaliador mede, não o valor do trabalho e a validade e verificabilidade das ideias do avaliado, mas o grau de concordância entre as ideias de um e de outro: quem discorda do avaliador não avança na carreira académica; quem lhe diz amém, floresce de viço... (António Borges deu-nos recentemente um exemplo dessa mentalidade.)
Quanto à validade das «provas dadas» no sector privado, uma ideia mais clara da sua questionabilidade surgiria dias depois.
No livro a que já me referi antes, Daniel Kahneman dá um exemplo esclarecedor acerca da mentalidade existente no mundo da alta finança. Em meados da década de oitenta ele e os seus colegas foram convidados por um gestor de topo de Wall Street para uma conversa sobre o papel do enviesamento (preconceitos, ideias feitas, etc.) nas decisões de investimento. Kahneman não percebia nada do ramo, pelo que não estava preparado para o que descobriu (então e desde então) sobre o funcionamento da “indústria financeira” (p. 280):
[...] uma indústria importantíssima parece assentar em grande parte numa ilusão de perícia. [...]
O autor refere, em suporte desta ideia, alguns estudos que demonstram que os supostos especialistas financeiros são tudo menos especialistas ou peritos (p. 282):
Apesar de os profissionais [dos bancos de investimento] serem capazes de extrair um considerável montante de riqueza aos amadores, poucos [...], se houver algum, têm a perícia necessária para vencer o mercado sistematicamente, ano após ano. Os investidores profissionais, incluindo os gestores de fundos, falham num teste básico de perícia: a concretização persistente. O diagnóstico para a existência de qualquer perícia é a consistência das diferenças individuais na concretização. [...]
O que os estudos mostram é que não existe tal consistência: um gestor de um fundo de investimento tem sucesso acima da média num ano, mas abaixo da média logo a seguir. A razão do sucesso, quando ele existe, é fundamentalmente a sorte, não a especial capacidade desse gestor para fazer boas decisões de investimento. No entanto, a ilusão da perícia no mundo financeiro grassa (p. 283):
Há alguns anos, tive uma invulgar oportunidade de examinar de perto a ilusão de perícia financeira. Fora convidado a falar perante um grupo de conselheiros financeiros numa empresa que fornecia aconselhamento financeiro e outros serviços a clientes muito ricos. Pedi alguns dados para preparar a minha apresentação e foi-me confiado um pequeno tesouro: um registo que sintetizava os resultados dos investimentos de cerca de 25 conselheiros financeiros anónimos, para cada um de oito anos consecutivos. A pontuação de cada conselheiro [em termos de sucesso dos seus conselhos de investimento] era o principal determinante para o seu prémio do final de cada ano. [...]
Kahneman calculou o coeficiente de correlação entre as pontuações de cada conselheiro em diferentes anos, em busca da alegada perícia que a empresa premiava anualmente (p. 284):
[...] estava preparado para encontrar uma fraca evidência de persistência de perícia. Mesmo assim, fiquei surpreendido ao verificar que a média das 28 correlações era 0,01. Por outras palavras, [na prática,] zero. As correlações consistentes que indicariam diferenças em termos de perícia não existiam em lado nenhum. Os resultados pareciam-se com aquilo que se esperaria de uma competição de lançamento de dados, não de um jogo de perícia.
Ninguém na empresa parecia estar consciente da natureza do jogo que os seus selecionadores de ações andavam a jogar. Os próprios conselheiros sentiam ser profissionais competentes a realizar um trabalho sério e os seus superiores concordavam. [...]
A nossa mensagem para os executivos foi a de que, pelo menos no que dizia respeito a construir portefólios, a empresa estava a premiar a sorte como se fosse perícia. Isto deveria constituir uma notícia chocante para eles, mas não. Não havia qualquer sinal de que não acreditassem em nós. [No entanto,] não tenho qualquer dúvida de que ambas as nossas descobertas e as suas implicações depressa foram varridas para debaixo do tapete e que a vida na empresa prosseguiu como até aí. A ilusão de perícia não é apenas uma aberração individual; está profundamente impregnada na cultura da indústria [financeira]. [...]
Como conclui Daniel Kahneman (p. 286), as supostas «provas dadas» na área financeira sofrem do facto de serem avaliadas segundo princípios enviesados, ignorando os factos:
[...] as ilusões de validade e perícia são apoiadas por uma poderosa cultura profissional. Sabemos que as pessoas conseguem manter uma fé inabalável em qualquer proposição, por muito absurda que seja, quando é defendida por uma comunidade de crentes que pensam de igual modo. [...]
O recurso a terminologia da área religiosa não é casual: como eu já disse antes, a política económica de Vítor Gaspar (cujos pergaminhos foram obtidos com a seriedade relatada atrás) e do seu governo é determinada por dogmas, por “artigos de fé” que não passam na análise racional dos factos — mas que mesmo assim, teimosamente, subsistem. Amém.
quarta-feira, 20 de março de 2013
A ilusão de validade das ideias de Vítor Gaspar
(Vítor Gaspar, um caso psicológico — 1)
Em Pensar, Depressa e Devagar, Daniel Kahneman, o psicólogo laureado com o Prémio Nobel da Economia a que me referi noutro post, descreve (pp. 278–279) a sua experiência como recém-licenciado no Exército de Israel, onde tinha como incumbência avaliar psicologicamente os recrutas com vista a decidir quais tinham o perfil de liderança que os tornava aptos para a escola de oficiais. Vítor Gaspar diria que os resultados de Kahneman e a sua equipa eram «um desapontamento»:
A evidência de que não conseguiríamos prever o sucesso [dos cadetes] com exatidão era esmagadora. [...] A história era sempre a mesma: a nossa capacidade de prever o desempenho na escola era negligenciável. As nossas previsões eram melhores do que apostas ao calhas, mas pouco melhores.
Ficávamos abatidos durante algum tempo, depois de recebermos as desencorajantes novidades [das notas realmente obtidas pelos candidatos após meses de formação para oficiais]. [...]
Mas o pior não era o baixo poder de previsão de Kahneman e dos seus colegas — era a sua inabalável persistência no erro:
[...] Mas era o exército. Úteis ou não, havia uma rotina a ser seguida e ordens para cumprir. [...] A frustrante verdade acerca da qualidade das nossas previsões não tinha qualquer efeito sobre a forma como avaliávamos candidatos [posteriores] e muito pouco efeito na confiança que sentíamos nos nossos juízos e previsões sobre os indivíduos.
O que acontecia era notável. A evidência global dos nossos fracassos prévios deveria ter abalado a nossa confiança nos nossos juízos sobre os candidatos, mas isso não aconteceu. Deveria ter-nos levado a moderar as nossas previsões, mas isso não aconteceu. Sabíamos, em termos gerais, que as nossas previsões eram pouco melhores do que palpites aleatórios, mas continuávamos a sentir e a agir como se cada uma das nossas previsões fosse válida. [...] cunhei um termo para a nossa experiência: a ilusão da validade.
Descobrira a minha primeira ilusão cognitiva.
Mutatis mutandis, temos o diagnóstico de Vítor Gaspar feito.