terça-feira, 30 de abril de 2013
Cortinas de fumo
Tavares, Reinhart e Rogoff
Não voltei a ler artigos de João Miguel Tavares, essa irritante representação do neoliberalismo tuga e da direita economicamente fanática, mas tenho curiosidade. Tenho curiosidade porque entretanto Kenneth Rogoff, o ás da economia que os neoliberais elegeram como papa (ou branca cortina de fumo, não sei bem), veio dizer num artigo no The New York Times que, afinal, defende desde há muito o perdão parcial das dívidas de países da periferia. Também disse que ele e Carmen Reinhart (que co-assina o artigo) sempre aconselharam que se evitasse a retirada demasiado rápida dos estímulos orçamentais à economia. Disse isto e mais umas coisas que deitam por terra a cientificidade de Gaspar, Tavares e C.ª e provavelmente merecerão de João Miguel insultos que ele em geral reserva à esquerda.
É claro que o diz-que-sempre-disse de Rogoff é a sua tentativa de se demitir de pai de uma austeridade cega que entretanto falhou. E é um diz-que-sempre-disse carente de comprovação cronológica. Mas, ainda que estas sejam na realidade afirmações pós-fracasso, prognósticos de fim de jogo, não deixam de ser uma posição interessante que nos põe expectantes quanto à reacção de discípulos beatos como João Miguel Tavares. Será que o cronista do Público vai descobrir um tijolo ainda maior do que This Time Is Different: Eight Centuries of Financial Folly para nos arremessar? Ou é desta que desiste do bullying e modera a ferocidade de zelota do templo?
P.S. Sobre este assunto, leia-se este texto de um blogue da New Yorker.
Rebuçados camonianos
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Aceitações
domingo, 28 de abril de 2013
Cartão e raposa, paradoxo e dissonância
O que é preciso é saudinha (6)
P.S. A propósito disto, no Público: «Receitas dos casinos vão ajudar a pagar tratamento de jogadores patológicos»
sábado, 27 de abril de 2013
Vigiar exames
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Pensar em nada
quinta-feira, 25 de abril de 2013
Acerca da disciplina auto-imposta
Comemorações do 25 de Abril
Rádio Renascença: «Comemorações do 25 de Abril no Parlamento só com convite»
quarta-feira, 24 de abril de 2013
3. (Ainda o João Miguel Tavares)
No café: o “Big Brother”
As duas* falácias de João Miguel Tavares
O “argumento” de João Miguel Tavares em defesa da dupla Reinhart & Rogoff — admitindo que se trata mesmo de uma tentativa de argumento e não a mera exploração de um nicho de mercado editorial (há que mungir a teta do pluralismo) — enferma de dois erros, duas falácias.
A primeira falácia é a do apelo à autoridade (a que já se referiu o Rui), uma das mais divulgadas formas de fugir ao assunto. Não podendo negar o erro fundamental no artigo que tão convenientemente deu sustentação “científica” à sanha anti-estado social, João Miguel Tavares desvia as atenções, tentando ofuscar-nos com os alegados méritos prévios da dupla de economistas. Como se o assunto em debate fosse o direito ou não de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff conservarem os doutoramentos em Economia que certamente têm...
A segunda falácia é a ignorância da natureza não linear do discurso humano. Quero com isto dizer que a “lógica” de João Miguel Tavares (de que o erro de Reinhart & Rogoff num artigo de 26 páginas é nada comparativamente à excelência da sua opera magna de 512 páginas) só seria válida se o discurso humano — de uma simples frase às obras completas de Platão ou Pál Erdős — pudesse ser aproximado a um sistema linear, o que não acontece.
[Abro aqui um parênteses para quem não sabe o que é um sistema linear. De uma forma simplificada, um sistema é linear se a magnitude de um efeito for (directa ou inversamente) proporcional à magnitude da causa que lhe deu origem: pequena causa, pequeno efeito; grande causa, grande efeito. Por exemplo, o controlo de velocidade de um automóvel é um sistema linear: carregando a fundo no acelerador aumenta-se mais a velocidade do veículo do que se carregando menos; idem, mas com efeito inverso, para o pedal do travão.
Já a verdade de uma expressão lógico-matemática não segue um padrão linear. Consideremos, por exemplo, a seguinte proposição verdadeira: «1111111111 > 0». Alterar 10 dos 14 caracteres (71% do texto) da proposição, transformando-a em «9999999999 > 0», ou suprimir-lhe 9 caracteres (64%), ficando «1 > 0», não tem qualquer efeito em termos de verdade: as novas inequações são também verdadeiras; já alterar um único e muito específico carácter (7,1% do texto), «1111111111 < 0», arruína completamente a verdade da proposição resultante.
Também o discurso humano, nomeadamente a verdade que ele poderá encerrar, não se comporta como um sistema linear. A diferença entre dizer «Em mil novecentos e trinta e nove, a Alemanha Nazi de Adolf Hitler invadiu a Polónia» e dizer «Em mil novecentos e trinta e nove, a Alemanha Nazi de Adolf Hitler não invadiu a Polónia» não é um erro de uns meros 4,8% ou 6,25% (conforme se considerem caracteres ou palavras, respectivamente) — aquele «não» a mais faz toda a diferença entre a verdade e a mentira. Pura e simples.]
Assim sendo, e voltando à lógica furada de João Miguel Tavares, o erro de Reinhart & Rogoff não é apenas um erro de 26/(26+512) = 4,8% no contexto da sua obra (admitindo, por simplicidade, que a dupla apenas escreveu o artigo e o livro referidos).
O erro implica a diferença entre as medidas de austeridade que vêm sendo adoptadas basearem-se num resquício que seja de cientificidade (nunca tendo as conclusões do estudo, ao contrário do que nos quiseram convencer, tido a unanimidade entre os economistas, mesmo antes da descoberta dos erros de palmatória), ou serem simplesmente a implementação acientífica e até anticientífica de um programa ideológico.
* Não tendo lido o artigo de João Miguel Tavares (não comprei o jornal e a versão online é reservada a assinantes), a minha contabilidade de falácias restringe-se às existentes na sua invocação do calhamaço de 512 páginas como “argumento” de defesa de Reinhart & Rogoff.
2. Prestidigitadores
O post anterior não rouba toda a razão a João Miguel Tavares na sua defesa da austeridade. Não é essa a questão. Contesta é o seu precipitado argumento de autoridade.
No que toca à austeridade, não adianta muito estar contra ou a favor: ela impõe-se se o dinheiro escasseia. E ninguém em rigor pode negar pertinência a Tavares quando afirma que «sim, foi a imprudência em tempos de vacas gordas […] que nos trouxe até aqui». De resto, outra sua afirmação no mesmo artigo é também verdadeira, embora no seu facciosismo ele restrinja um defeito nacional apenas à esquerda: «Boa parte da nossa esquerda ainda acredita que o verdadeiro líder político é aquele que consegue dobrar a matemática e a economia com a força da sua vontade.» Infelizmente, esta é uma característica geral lusitana, entre outras coisas responsável por termos Passos Coelho como primeiro-ministro — e Vítor Gaspar como ministro das finanças. A promessa do prestidigitador é o salvo-conduto para ganhar eleições (vide Junho de 2011), mas é igualmente o que tem sido vendido para sair da crise. A matemática e a economia não se têm mostrado mais dúcteis perante os passes de Gaspar do que perante os truques da esquerda antes dele. Isto e o erro de Reinhart & Rogoff deveriam ser suficientes para um pouco mais de humildade da direita ultramontana. Antes de nos prescreverem os calhamaços e as sangrias desatadas deviam talvez ir rever contas e conclusões. É que aqueles de nós que não são da esquerda esbanjadora nem da direita impiedosa gostariam de cair no abismo sabendo que tal não aconteceu apenas porque alguém no poder ou nos jornais achou aceitável o sacrifício e desnecessário rever dogmas.
1. O argumento do tijolo
João Miguel Tavares é um conhecido e enérgico defensor da austeridade. No seu artigo desta terça-feira no Público pretendeu arrefecer os ânimos dos que se alegraram por ter sido descoberto um erro no célebre ficheiro Excel de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff, frequentemente citado pelos promotores da austeridade. E que argumentação usou Tavares? Uma de peso. Ou de volume. De número de páginas. É que, diz o jornalista, ao contrário do que pensa a massa ignara, aquela dupla de economistas não se tornou famosa pelas «26 páginas de Growth in a Time of Debt», o artigo que continha o erro, mas sim pelas 512 páginas de This Time Is Different — Eight Centuries of Financial Folly, «um tijolo que se distingue precisamente pela avassaladora quantidade de dados que os autores foram capazes de coligir».
Ora, isto parece mais bullying do que argumentação. Como se alguém dissesse: «Não levam a sério as minhas palavras? Experimentem o meu peso», sentando de seguida os seus 120 quilos de hambúrgueres sobre o adversário para o calar.
A lógica de João Miguel Tavares pretende que o leitor, conhecido o erro de um artigo, ceda com alegria ao argumento da quantidade de informação em vez de, preventivamente, precavidamente, alertado pelo exemplo, se perguntar como e que informação foi coligida, e que influência isso teve nas conclusões alcançadas pelo cartapácio. Como se um erro em 26 páginas, e a interpretação fragilizada dele resultante, fosse mais improvável em meio milhar delas.
João Miguel Tavares quer enfim que nos verguemos perante a autoridade do calhamaço. É muito comum nos dogmáticos. Tome-se a Bíblia, por exemplo.
terça-feira, 23 de abril de 2013
«Sono un peccatore, lo so»
(1) Tomasi di Lampedusa (1987), O Leopardo, Lisboa, Círculo de Leitores, p. 25.
segunda-feira, 22 de abril de 2013
«Fiz bem?»
domingo, 21 de abril de 2013
Hereditariedade e meio
sábado, 20 de abril de 2013
O eu em exercícios
sexta-feira, 19 de abril de 2013
«Tu não queres, pois não?»
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Do episódio à significação
Agora a cultura será efervescente
Filomena Cautela apresenta magazine cultural na RTP2
Afinal a RTP2 ainda pode acolher um magazine cultural. Esta é uma forma de ver as coisas. A outra é que a administração da RTP decidiu dar forma ao sonho de uma menina.
Filomena Cautela, parece que apresentadora e actriz, tinha o sonho de ser apresentadora de um “programa cultural”. Vai daí, apresentou a ideia à RTP e a estação achou-a tão necessária e inovadora (um programa cultural!, quem imaginaria?) que não viu como podia recusá-la, abraçou-a de imediato.
A ideia parte de boas intenções — mas não consegue parar por aí; como em todos os sonhos adolescentes, entra em delírios. Por exemplo: «Quero fazer com que as pessoas percebam que a cultura não é aborrecida e que o teatro é bom, muda mentalidades, sociedades». Até aqui todos de acordo, certo? (Mais ou menos, pronto.) Só que a frase está incompleta. A apresentadora também acha que o teatro (ou a cultura) «nos pode tirar da crise», mas, lamentavelmente, não explica se é através do clássico deus ex-machina ou de outro artifício cénico. Num segundo exemplo, revela-nos que «o mote do programa é falar de cultura e de arte de uma forma acessível, directa, estimulante». Poderíamos achar isto redutor mas aceitável — se ela não acrescentasse que também quer falar de cultura de uma forma «efervescente».
Ora, uma coisa que é a concretização de um sonho, que acredita no fim da crise pela arte e pretende falar de cultura de uma forma «efervescente» parece um discurso de Miss Portugal, não um programa para levar a sério.
Esta generosidade cheira a legado do ex-ministro Relvas. Mas agora que ele saiu não poderíamos ter de volta a Paula Moura Pinheiro ou outra pessoa que não ache que a cultura tem de ser descomplicada, traduzida para dialecto púbere e apresentada buliçosamente, com câmara irrequieta, como se fosse o Top+?
P.S. Desconfio, mas pode ser apenas mau-feitio, que mostrar que «a cultura não é aborrecida» e falar dela «de uma forma acessível, directa» implicará omitir o “aborrecido” e tudo aquilo que não seja acessível e directo segundo os padrões de um público “efervescente”.
quarta-feira, 17 de abril de 2013
Acta existencial
terça-feira, 16 de abril de 2013
Da impermanência ao nirvana
Ghostwriting
Depois de muitos anos a escrever para a gaveta a horas mortas, como o fantasma do bloco de apartamentos onde vivia, decidiu que chegara a altura de começar a ganhar algum dinheiro com o seu trabalho. Publicou um anúncio no jornal. Dizia: «Escritor inédito procura assinatura mediática para livro. Sigilo garantido.»
Na acepção de ghostwriting que a sua aversão a escrever os livros dos outros assim inaugurava, não eram as celebridades que procuravam competentes escritores-fantasma, mas escritores espectrais que procuravam nomes corpóreos aos olhos de editores e público. Os mercenários da escrita eram substituídos por mercenários da Parker ou da Montblanc dispostos a vender o seu autógrafo. Havia nisto um claro benefício para os leitores, afirmou desassombradamente alguma (rara) crítica.
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Disposições
domingo, 14 de abril de 2013
É a ideia de uma Constituição, estúpido!
[...] Passos Coelho foi muito duro para o Tribunal Constitucional (TC), comparou-o a uma força de bloqueio [...].
O primeiro-ministro voltou a dramatizar a decisão do TC, dizendo que o acórdão condiciona a acção do Governo e as opções políticas. [...]
Ó Pedro (amigo, pai, cidadão), essa é precisamente a função de uma Constituição: impedir que qualquer bicho-careto, com até pouco menos do que 50% de apoio popular, altere as regras do regime a seu bel-prazer, levado pela espuma dos dias ou motivações mais indizíveis. Uma Constituição serve para fechar portas, para deixar claro que os decisores políticos não têm todas as opções, que há linhas que não se podem ultrapassar.
A ausência de entraves à acção governativa é prerrogativa dos regimes absolutistas, autocráticos, autoritários ou totalitários.
O acontecimento decisivo
sábado, 13 de abril de 2013
Se
Custos políticos
Não interessa, portanto, se a opção do Governo era mais justa ou não. Nem sequer interessa, afinal, se a opção do Governo era mais justa do que a interpretação do Tribunal Constitucional. E não interessa, claro, a dureza dos custos sociais face à soberana importância dos custos políticos. Interessa é que o Governo foi estúpido. Se tivesse sacrificado sem hesitação algumas dezenas de milhares em vez de ter prejudicado um pouco umas centenas de milhares teria circunscrito o descontentamento. Maquiavel não diria melhor. E agora Maquiavel está no Governo.
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Sem surpresa
quinta-feira, 11 de abril de 2013
As virtudes da «visualização»
quarta-feira, 10 de abril de 2013
Justiça
(E pronto, agora podemos voltar a vituperar o mau governo que nos calhou em sorte nestes dias de chumbo.)
«Ministério da Nuvem»
O mecânico
Como antes dele o gerente de uma churrasqueira e o escriturário de uma empresa, o mecânico, com apenas um pouco mais de vernáculo do que os grandes liberais dos blogues, declara que não se pode adiar mais, é preciso despedir funcionários públicos, essa corja. Não uma pequena quantidade para troika ver. Milhares, centenas de milhares. Talvez isso não resolva o problema do país de imediato, concede, mas resolve-o a médio prazo. Não diz se por milagre.
O mecânico não se lembra de que grande parte dos seus clientes são funcionários públicos e que o negócio pode afundar se os seus funcionários públicos deixarem de conduzir carros por muito tempo. Ou para sempre. O mecânico não se lembra de que funcionários públicos são os professores dos seus filhos, os médicos e os enfermeiros que mantêm a sua mãe viva e lhe permitem continuar a receber a reforma dela. São os tipos que lhe apanham à porta o lixo que ele deixa espalhar-se pelo passeio. E são aqueles gajos que conduzem a frota cuja manutenção lhe foi entregue por amigo bem colocado na câmara. O mecânico esquece-se, a bem dizer, de que o bem-estar e a economia do concelho estão por enquanto, para o mal e para o bem, dependentes do funcionalismo público. E, na sua precipitação, o mecânico esquece-se de que a própria esposa é funcionária pública (sem formação, desqualificada, na primeira linha dos despedimentos).
O mecânico não o sabe, não pensou a sério no assunto, mas fala dos funcionários públicos como de uma abstracção. Muito à anos vinte do século passado, fala dos funcionários públicos como de “os outros”, como de uma raça expiatória.
Ainda bem que, à escala nacional, o Governo e os seus liberalíssimos e cultíssimos bloggers não são deste aziago jaez.
terça-feira, 9 de abril de 2013
Dead right
José Luis Sampedro (1917–2013):
Há dois tipos de economistas: os que trabalham para enriquecer os mais ricos e os que trabalham para empobrecer os pobres.
Saber o que se quer
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Perscrutando o futuro
(É sobre astrologia e não sobre cartomancia — mas é o que se arranja, Rui.)
Memorial interrompido
(Inspirado no poema “Quadrilha”, de Carlos Drummond de Andrade)
Tristão existia na memória de Paula, que dançava na de Romeu, que perdurava na de Cecília, que brincava na de Amândio, que brilhava na de Laura, que não vivia em memória alguma. Tristão rumou ao deserto e foi esquecido. Paula tornou-se criadora de enigmas; Romeu, encantador de serpentes; Cecília, domadora de prantos; Amândio, inventor de epitáfios. Laura casou-se com um homem que sabia de cor os sonetos de Petrarca e de cujo nome já ninguém se lembra.
O cartomante Quim Zé
Nos últimos dois dias vi propostas de ajuda de um cartomante coladas com fita-cola em caixas automáticas e portas de bancos. Num primeiro momento, pensei que a oferta se dirigia ao próprio sistema financeiro, interpelando-o nos seus santuários ou pontos onde ele se insinua junto dos mortais. Depois lembrei-me que cartomantes são espíritos apenas dedicados a previsões, e suspeitei que a ajuda era afinal proposta a Vítor Gaspar (com o cartomante, pobre info-excluído, a imaginar que um multibanco é um terminal com ligação directa ao ministro das finanças). A certa altura soube que o TC chumbara o orçamento e concluí que aquilo eram já papéis de Gaspar à procura de emprego. Que o cartomante assinasse Quim Zé não me espantou: era a ultima tentativa de o ministro se distinguir de um Zé qualquer.
P.S. Não podemos pôr de parte a possibilidade de o cartomante Quim Zé estar na verdade a informar os empreendedores necessitados de financiamento de que, entre os bancos e o euromilhões, mais valia arriscarem no jogo, onde a ajuda de um cartomante pode ser realmente útil.
domingo, 7 de abril de 2013
Ócio anímico
sábado, 6 de abril de 2013
Compreender e decorar
sexta-feira, 5 de abril de 2013
Mais de sessenta mil
quinta-feira, 4 de abril de 2013
Futuro ex-Dr. Relvas
Neste dia em que, finalmente!, foram confirmados o pedido de demissão do ministro Miguel Relvas e a iminente anulação da sua licenciatura-a-jacto, republico aqui um cartaz que criei em julho de 2012, quando este escândalo rebentou.
Desapontamento
Público e notório
1.
Uma apologia: «auto-suficientes no vinho e na cerveja.»
2.
Um epitáfio: «apenas auto-suficientes no vinho e na cerveja.»
3.
Um jornal cujo problema talvez já não seja apenas a falta de revisores: «Auto-suficientes no vinho e cerveja, ao contrário dos cereais.»*
4.
Se o Público queria dizer que os cereais produzem pouco ou bebem mais do que produzem, a frase está certa — e sejamos um pouco solidários com eles, com os cereais: ninguém devia ter de importar para beber (a não ser por desejo de experimentar beberagens finas ou exóticas).
5.
Se o Público queria dizer outra coisa, devia ter escrito: «Auto-suficientes no vinho e na cerveja, ao contrário de nos cereais.»
6.
Talvez o Público quisesse na verdade dizer que passou de um jornal de referência a um jornal de referência de Belmiro de Azevedo: baixos salários, baixo QI, muita auto-insuficiência.
* Destaque na última página do Público de quarta-feira.
quarta-feira, 3 de abril de 2013
A voz e o destino
Warpaint
Ouço-as e lembram-me coros adolescentes em grupos religiosos ou de escuteiros, meninas de saia rodada cantando a várias vozes, por vezes num só tom, a mesma melodia de thriller enquanto abanam as tranças. Ouço-as e as suas músicas parecem-me imperfeitas, inacabadas, jam sessions insistentes à procura da forma final de uma canção, várias canções à luta na mesma música, algumas boas ideias reunidas a outras estranhezas. Ouço-as e lembro-me das minhas próprias jam sessions adolescentes, a obsessão com uma frase, uma melodia, um som, uma malha, uma sequência de acordes, um ritmo, obsessão não raro cruzada com certa embriaguez movida a Super Bock. Ouço-as e vejo-as como me vi a descobrir um instrumento, deslumbradas com os sons, o minimalismo repetitivo resultante do domínio incipiente da guitarra e do fascínio da descoberta, da necessidade de ouvir e reouvir um truque recém-aprendido, um acorde encontrado, uma harmonia conseguida. Ouço-as e julgo reconhecer amostragens de diferentes camadas geológicas de uma parte do meu próprio território, punk de setenta, underground depressivo dos eighties, os anos de Seattle, alternativos 90s e seguintes. Ouço-as e por vezes não consigo parar de as ouvir, também eu preso na espiral obsessiva que se inicia em “Exquisite Corpse” (EP) e continua por “The Fool” (álbum).
Certa música imperfeita tem uma acção hipnótica sobre mim. Se eu fosse uma serpente, o indiano que me quisesse encantar teria de ler a história do rock alternativo e não ser um virtuoso no seu instrumento.
terça-feira, 2 de abril de 2013
Correcções
Sinto, com certa alegria, que vamos dar um estoiro com esta austeridade
Tenho um amigo que, há um ano, para minha ilustração e conversão, me abastecia de vídeos e artigos de Medina Carreira. Chegou a oferecer-me um livro do ex-ministro, por escárnio (e mania de gastar acima das suas e, no caso, minhas necessidades). Sempre que nos encontrávamos, entre o glorioso 5 de Junho de 2011 e a evidência-até-para-totós do descalabro passista, as nossas conversas redundavam em histeria e cólera, com a parte patética deste género de debates a ser assegurada por mim (tenho um dom).
Na verdade, o meu amigo e eu concordávamos na grande maioria dos argumentos. Era aliás ele quem mais pessimista estava em relação às políticas de Passos Coelho, na medida em que é por natureza pessimista quanto ao futuro da Europa e do Ocidente. De Medina Carreira, apreciava, mais do que tudo (percebe-se porquê), o tom tremendista e apocalíptico — les beaux esprits se rencontrent.
Pelo meu lado, se via pertinência em afrontar o meu amigo e o governo PSD/CDS não era porque acreditasse sem hesitações em alternativas, ou numa solução indolor. Era também, reconheço, para me confortar, escolhendo como os religiosos o diáfano para apaziguar os dias.
Mas fosse como fosse, tinha as minhas ideias. Não acreditava que um plano de reforma radical funcionasse num prazo tão curto. Como todas as pessoas sensatas postas perante a verdadeira dimensão do problema (que curiosamente as instituições financeiras e políticas, com raras e individuais excepções, foram estimulando e ocultando nos anos anteriores), estava disponível e sabia que eram inevitáveis sacrifícios, perdas de rendimentos. Mas achava que uma reforma do Estado capaz de enfrentar eficazmente a dívida e o défice precisaria de uns dez anos e que a Europa tinha sido mesquinha e estúpida em não criar condições para isso.
Foi pois com um ar trocista e de vanglória que enviei hoje ao meu amigo a notícia que cita Medina Carreira defendendo que «o tempo de aplicação do memorando deveria ser estendido a seis anos», caso contrário vamos «dar um estoiro com esta austeridade». Digo que o meu ar era de vanglória porque conheço o meu amigo: não concederá mérito à minha antiga intuição nem acreditará numa extensão do prazo — vai é rejubilar com a expressão do jurista. «Dar um estoiro» é também uma expressão sua frequente em relação ao país, e vê-la elevada a título premonitório é algo que decerto vai excitar a sua morbidez.
E isto leva-me a desconfiar que morbidez é também patologia de Vítor Gaspar.
Involuntária ironia
Amina Tyler, tunisina, publicou duas fotos em topless no site do movimento feminista ucraniano Femen, com mensagens escritas no tronco nu: na primeira, em inglês, lê-se «Foda-se a vossa moral»; na segunda, em árabe, «O meu corpo pertence-me, não serve a honra de ninguém». Seguiram-se as costumeiras ameaças de morte por parte de islamistas. Em reacção, o movimento Femem declarou o dia 4 de abril como «Dia da Jihad em Topless».
Num desenvolvimento involuntariamente irónico, o tabloide americano New York Daily News, no artigo que dá conta destes acontecimentos, censurou as duas fotos, pixelizando a palavra «fuck», os mamilos e os dedos médios erguidos de Amina.
(Por cá, o Público absteve-se de publicar as imagens de Amina — substituiu-as por um desenho inspirado na foto com inscrição em árabe —, deixou a frase em inglês sem tradução e referiu-se apenas ao «gesto obsceno» da jovem tunisina.)
«É melhor não pensarmos nisso...»
Se não houvesse tiranetes do gosto nas TVs e numa grande quantidade de câmaras, muito povo estaria ele próprio disposto a sair à rua a gritar que «os portugueses quando vão ao teatro querem apenas divertir-se».
Essa é, precisamente, a premissa do livro Fahrenheit 451, de Ray Bradbury.
O grande pecado de François Truffaut, na adaptação ao cinema, foi alterar (ou deixar irreconhecível) esta ideia.
Quando vi o filme, interpretei estar perante uma sociedade com um regime repressivo clássico, que proibia os livros por eles serem perigosos para esse regime, por alimentarem sediciosos (não que os livros em si fossem políticos, mas os regimes repressivos, mais do que os outros, viçam na ignorância). Pensei, com as devidas diferenças, em regimes como o Nazi, o Soviético ou mesmo o nosso Estado Novo.
Mas quando, muitos anos depois, li o livro (que em termos estéticos é pior do que o filme), vi que a ideia era ainda melhor: o narrador faz-nos saber que o sistema repressivo sobre a posse e leitura de livros foi imposto pelo desejo manifesto da maioria, que não queria enfrentar as questões incómodas levantadas pelos livros e seus leitores. Queriam paz de espírito: como ouço frequentemente por aí, «É melhor não pensarmos nisso...».
Por isso Fahrenheit 451 não é redundante face a um, literariamente muito melhor, Mil Novecentos e Oitenta e Quatro. De facto, os dois são um bom contraponto. O livro de George Orwell fala-nos de um regime ditatorial em que uma minoria oprime e manipula a imensa maioria; o de Ray Bradbury apresenta-nos um regime originalmente “livre”, em que a maioria estupidificada oprime e tenta formatar à sua imagem e semelhança uma minoria (cada vez menor) que se recusa a ir por aí. Fahrenheit 451 e Mil Novecentos e Oitenta e Quatro formam uma dupla esclarecedora: lembram-nos que a ditadura e a opressão podem lançar raízes em diferentes terrenos.
segunda-feira, 1 de abril de 2013
O paradoxo do 1 de Abril
«Os portugueses não estão preparados para isto»
Na peça “Três dedos abaixo do joelho” os censores de teatro do Estado Novo foram convidados por Tiago Rodrigues a serem co-autores do texto. Na verdade, eles são praticamente os únicos autores, o dramaturgo e encenador limitou-se a copiar e colar inteligentemente frases dos seus relatórios e com isso construir o guião da peça e os diálogos dos actores. Mais de quarenta anos depois, testemunhamos como a liberdade criativa era cerceada e, simultaneamente, como uma elite no poder se achava no direito de interpretar os interesses dos portugueses, ou, pior, como se achava no direito de decidir o que os portugueses conseguiam ou não perceber. A inteligência dos nossos pais e mães, tios e avós, a que se referem vários relatórios, era ofendida com decretos do género: «os portugueses não estão preparados para isto»; «os portugueses quando vão ao teatro querem apenas divertir-se»; «os portugueses não querem estas inquietações, estas perturbações do espírito».
Hoje, quando nos sentamos livremente numa plateia, estaremos a precipitar-nos se sentirmos que isso vinga os nossos antepassados. O facto de ocasionalmente nos permitirmos e nos permitirem entrar numa sala de teatro para sermos inquietados ou perturbados é uma vingança provisória, efémera, sem grande alcance e certamente não garantida.
O país já não dispõe daquelas figuras de lápis azul e mangas-de-alpaca laboriosamente encerradas em gabinetes do Secretariado Nacional de Informação para determinarem ao que o país pode ou não pode assistir. Dispõe de outras: sentadas nas direcções de programação das televisões (pública e privadas) e sentadas na vereação de cultura de uma enorme quantidade de câmaras municipais no país. Não usam o lápis azul porque hoje os amanuenses não escrevem com lápis, nem têm um regime ou uma moral de estado para defender.
Mas têm a mesma ignorância despótica ou a mesma aversão à diversidade e ao livre arbítrio que tinha o Estado Novo. Cidadãos que pensem e escolham livremente são um empecilho na luta pelas audiências e uma dificuldade evitável para uma gestão autárquica que se quer simples como umas férias de Verão.
É verdade que, ao contrário das instituições do Estado Novo, as televisões e as vereações não visam defender um regime nacional ou uma moral pública quando exercem a sua política de estrangulamento ou afunilamento do gosto — mas está na sua natureza defender o statu quo, e, se a moral ganhou em muitos campos uma considerável elasticidade, não foi em geral a suficiente para suportar interesses divergentes.
Um e outro sistema, o das ondas hertzianas e o do feudo provincial, precisam de uniformidade para exerceram a sua influência, as televisões para venderem os seus sabonetes, certo poder autárquico para poder manter-se com os mesmos fracos protagonistas e a mesma atávica incompetência.
Acresce que atávica é também a relação de muitos portugueses com a diversidade e com as coisas que inquietam o espírito. Se não houvesse tiranetes do gosto nas TVs e numa grande quantidade de câmaras, muito povo estaria ele próprio disposto a sair à rua a gritar que «os portugueses quando vão ao teatro querem apenas divertir-se».
Na verdade, fá-lo frequentemente, desdenhando ou considerando uma veleidade insustentável haver concidadãos que queiram ir ao teatro por outras razões.