terça-feira, 29 de setembro de 2015

A Zona de Interesse


A Zona de Interesse, de Martin Amis, é um livro belíssimo. É talvez um dos melhores que li de Amis e no entanto é também aquele onde o escritor se afasta mais do seu estilo pessoal, onde abdica mais de ter um estilo. Isto dito, não se consegue esquecer que é uma obra de arte feita a partir do pior dos episódios da história da humanidade — e isso, que tem em si algo de Amis way, não representa qualquer mal. Alguns editores recusaram-se a publicar o livro. Ou são patetas ou não o leram. Ou ambas as condições são verdadeiras. Em momento nenhum do romance o leitor consegue ou pode sentir-se autorizado a esquecer o que foi o Holocausto, a relativizá-lo, banalizá-lo, achá-lo coisa de um passado pitoresco a preto e branco como as histórias de piratas, onde vida e morte, crimes e violações são décor. Não. Sai-se do livro como se sai dos livros de História: horrorizado com a Alemanha nazi. Sim, num momento ou noutro inquietamo-nos por estarmos a ter prazer estético com uma história de amor num campo de concentração, uma história de amor que se passa na zona dos carcereiros e dos carrascos. Mas isso não faz de nós (nem do autor) aberrações morais. Apenas mostra que temos emoções e predisposição para a beleza — e que tê-las não chega para fazer de nós boas pessoas, estão ali os nazis para o evidenciar. (Na verdade, talvez o livro até tenha outras sugestões, mas este aspecto não o posso explorar sem cair em revelações sobre o enredo.)
Há o risco de leitores menos familiarizados com a História ficarem a achar que as atrocidades nazis não passam de ficção, cenário para romances e filmes, no máximo uns contratempos aborrecidos para personagens secundárias, contribuindo assim o livro para banalizar o Mal e relativizar os crimes nazis? Não. Primeiro porque Hollywood já se encarregou disso há muito tempo. Segundo porque leitores menos familiarizados com a História dificilmente lerão Martin Amis. Terceiro porque esses leitores, na eventualidade de lerem o livro, teriam de ser também insensíveis, incapazes de empatia e sobretudo pouco familiarizados com a inteligência (pelo menos pouco treinados nela). Há leitores assim, que devamos proteger do terrível Amis? Há. Chamam-se geralmente adolescentes (mesmo que alguns tenham passado a idade púbere) e são já várias as gerações deles que têm vindo a ser poupadas a conhecer a História. Há leitores assim, mas não os devemos proteger de Amis. Devemos protegê-los das televisões, dos Ministérios da Educação, da robotização neoliberal em curso — e dar-lhes muitos, muitos livros de História para ler. E depois dar-lhes também o livro de Amis para ler.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

O Estado Islâmico já conquistou o Vaticano!

Papa cobre o rosto

Afinal, os manipuladores de informação que por estes dias postam imagens falsas ou descontextualizadas para nos convencerem de que o Estado Islâmico está a enviar hordas de pseudo-refugiados para a Europa para nos conquistarem têm razão!

Pior: os infiltrados não só já estão cá, como já alcançaram o seu objectivo: conquistaram a Europa, incluindo o Vaticano!

Assim que teve confirmação da conquista, Abu Bakr al-Baghdadi emitiu um édito religioso (fatwa) obrigando todas as mulheres europeias a cobrirem o rosto, à boa maneira islâmica.
Devido a um erro de tradução do árabe pseudo-clássico usado pelo auto-proclamado califa, a ordem foi entendida como dirigida «a todas as pessoas* que usam saias».

Como a imagem anexa inequivocamente documenta, o ex-Papa Francisco foi lesto a obedecer ao novo senhor da Europa. Allahu Akbar e tal!

* A classificação das mulheres como «pessoas» foi apontada por alguns apologistas como sinal do elevado estatuto de que elas gozam no Islão.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Ignorância e Preconceito

Já pensaram que se, por ignorância ou intencionalmente, eu tivesse escrito «ISIS» em vez de «YPG»...

... eu poderia ter facilmente acusado este voluntário português, que lutou contra o Estado Islâmico, de ser um jihadista sírio?

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Fugir à pergunta
(quem responde ou quem pergunta?)

Uma amiga comentou recentemente um vídeo em que uma conferencista americana da Heritage Foundation (um “think tank” conservador ligado ao Partido Republicano) explica, em termos fortes, por que razão de nada vale invocar a «maioria pacífica» de muçulmanos, quando o que importa é que a imensa maioria dessa maioria se abstém de confrontar — sequer no plano ideológico — a minoria (não tão pequena assim) de radicais, muitos dos quais violentos.

O comentário da minha amiga (e de outros) ia no sentido da «força» e na «falta que faz» esse tipo de resposta. Até que alguém comentou: «Só faltou mesmo RESPONDER À QUESTÃO.»

A questão (de uma muçulmana americana na plateia) era, para quem não viu o vídeo e para quem — como, confesso, eu — se distraiu com a resposta: «Como lutamos uma guerra ideológica com armas? Como poderemos algum dia terminar essa guerra?»

É verdade que a “resposta” da conferencista não respondeu à pergunta. Mas quem abriu a porta a essa mudança de assunto e à não-resposta foi a própria autora da pergunta: ela é que fez um preâmbulo à «pergunta simples», falando nos 1,8 mil milhões de muçulmanos (número exagerado...), da má imagem que eles e o Islão têm, e da falta de representatividade dos muçulmanos na sala. Após desviar assim as atenções da sua «pergunta simples», quem se pode admirar que a intervenção subsequente não seja uma resposta ao que foi perguntado, mas uma réplica àquele preâmbulo?

Fazendo um paralelo, dizer que a pergunta de Saba Ahmed não foi respondida é o mesmo que, perante a seguinte intervenção de um alemão em 1938:

«Como sabe, o nosso amado Führer instituiu recentemente leis com vista a expurgar do Sangue Alemão toda a infecção judaizante. Qual o papel do recém-criado Volkswagen no renascimento do Povo Alemão?»

alguém protestar porque a resposta incidiu sobre a inaceitabilidade das Leis Raciais de Nuremberga e não sobre os méritos ou deméritos do “Carro do Povo”...