A Zona de Interesse, de
Martin Amis, é um livro belíssimo. É talvez um dos melhores que li de Amis e no
entanto é também aquele onde o escritor se afasta mais do seu estilo pessoal,
onde abdica mais de ter um estilo. Isto dito, não se consegue esquecer que é
uma obra de arte feita a partir do pior dos episódios da história da humanidade
— e isso, que tem em si algo de Amis way,
não representa qualquer mal. Alguns editores recusaram-se a publicar o livro.
Ou são patetas ou não o leram. Ou ambas as condições são verdadeiras. Em
momento nenhum do romance o leitor consegue ou pode sentir-se autorizado a esquecer
o que foi o Holocausto, a relativizá-lo, banalizá-lo, achá-lo coisa de um
passado pitoresco a preto e branco como as histórias de piratas, onde vida e
morte, crimes e violações são décor. Não.
Sai-se do livro como se sai dos livros de História: horrorizado com a Alemanha
nazi. Sim, num momento ou noutro inquietamo-nos por estarmos a ter prazer
estético com uma história de amor num campo de concentração, uma história de
amor que se passa na zona dos carcereiros e dos carrascos. Mas isso não faz de
nós (nem do autor) aberrações morais. Apenas mostra que temos emoções e
predisposição para a beleza — e que tê-las não chega para fazer de nós boas
pessoas, estão ali os nazis para o evidenciar. (Na verdade, talvez o livro até tenha
outras sugestões, mas este aspecto não o posso explorar sem cair em revelações sobre
o enredo.)
Há o risco de leitores menos familiarizados com a História ficarem a
achar que as atrocidades nazis não passam de ficção, cenário para romances e
filmes, no máximo uns contratempos aborrecidos para personagens secundárias,
contribuindo assim o livro para banalizar o Mal e relativizar os crimes nazis?
Não. Primeiro porque Hollywood já se encarregou disso há muito tempo. Segundo
porque leitores menos familiarizados com a História dificilmente lerão Martin
Amis. Terceiro porque esses leitores, na eventualidade de lerem o livro, teriam
de ser também insensíveis, incapazes de empatia e sobretudo pouco
familiarizados com a inteligência (pelo menos pouco treinados nela). Há leitores
assim, que devamos proteger do terrível Amis? Há. Chamam-se geralmente adolescentes
(mesmo que alguns tenham passado a idade púbere) e são já várias as gerações
deles que têm vindo a ser poupadas a conhecer a História. Há leitores assim,
mas não os devemos proteger de Amis. Devemos protegê-los das televisões, dos Ministérios
da Educação, da robotização neoliberal em curso — e dar-lhes muitos, muitos
livros de História para ler. E depois dar-lhes também o livro de Amis para ler.
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