terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Entretenimento

Numa revista de televisão, uma apresentadora de concursos e programas afins anuncia o seu novo projecto na RTP como sendo de «puro entretenimento», porque, ao que parece, «os portugueses andam a precisar de um pouco de entretenimento».
Não espanta que uma entertainer defenda tautologicamente o seu ofício e não se dê disso conta. É esta a natureza da espécie. Traz os seus próprios neurónios entretidos ou despidos de escrúpulos. Espantoso seria que ela anunciasse que o seu próximo programa seria para fazer pensar e debater, um desafio, um estímulo ou uma provocação para a massa cinzenta dos portugueses. Mas de espantos destes estamos livres.
A crer em tais figuras da “cultura” nacional, a crer no discurso recorrente da intelligentzia televisiva, há décadas que o país vem precisando dramaticamente de ser entretido. Ouvi-as toda a minha vida, hertzianamente e nos últimos anos ao vivo, propalar a necessidade vital que os portugueses têm de entretenimento, o quão importante é para a saúde psíquica do tuga que o entretenham, que o distraiam, que o façam rir — de preferência de nada e sem esforço.
Pelo seu lado, os portugueses sempre concordaram com a prescrição, naturalmente. Concordaram com tanta veemência que no mesmo período de tempo elegeram partidos igualmente apologistas da doutrina recreativa, uma classe política que secundava o diagnóstico, subscrevia a receita e metia mãos à obra a entreter o povo e a poupá-lo a maçadas e pormenores aborrecidos da vida pública.

Ora, depois de ter batido com os cornos no poste da crise, seria talvez a altura de o português se mostrar um pouco farto de tanto entretenimento vão e disponível para coisas um pouco mais exigentes.
Enquanto passou o tempo a aceitar ser entretido, o português foi levado ao endividamento e à bancarrota. De seguida esvaziaram-lhe os bolsos e deixaram-no perante o desemprego, como realidade ou perspectiva. Mas chegado aqui o que faz o português? Prescreve-se mais entretenimento.
Tudo o que o português quer é rir, mijar-se a rir. Como povo, parecemos ter pouca utilidade — mas damos uma boa plateia de circo ou de stand up comedy. O país inteiro podia ser uma tenda ou um coliseu ressoando palmas, ovações e gargalhadas. O problema é que não conseguimos perceber que a anedota mais tristemente hilária que se conta ali no palco somos nós mesmos.

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