Em Outubro, Fernando Ulrich causou polémica ao perguntar retoricamente se Portugal aguentava mais austeridade, sendo a sua resposta «Ai aguenta, aguenta!». Na altura fiquei indeciso quanto a ser ou não exagerada a polémica: as afirmações do presidente do BPI poderiam ser apenas uma estirpe indesejada de manifestação de orgulho na “resiliência” do Povo Luso, ideia repetida ontem:
Se os Gregos aguentam uma queda do PIB de 25%, os Portugueses não aguentariam, porquê?
Mas a hipótese da bondade das afirmações do banqueiro cai por terra com o continuar das suas declarações:
Portanto, se você andar aí na rua e... infelizmente encontramos pessoas que são sem-abrigos, isso não lhe pode acontecer a si ou a mim, porquê? Também nos pode acontecer. E se aquelas pessoas que nós vemos ali na rua, nessa situação e a sofrer tanto, aguentam, porque é que nós não aguentamos?
Traduzindo, Fernando Ulrich não acha que Portugal aguenta mais austeridade porque a austeridade que houve até agora ainda não foi excessivamente austera, nem é opinião do presidente do BPI que a política económica do Governo é acertada e nos tirará do buraco em que estamos. Não. O banqueiro reconhece implicitamente que a política é ruinosa, que provavelmente nos afundará ainda mais no buraco, que as experiências socioeconómicas do Governo Gaspar são uma espécie de teste de resistência de materiais (que, para quem não sabe, é sempre destrutivo: vergar até partir) — mas, ressalva Ulrich, ser sem-abrigo não é necessariamente uma condenação à morte! Valha-nos ao menos isso: Cavaco não quereria ser forçado a mandar fiscalizar mais essa inconstitucionalidade.
P.S. A parte mais tocante das declarações de Fernando Ulrich foi aquela em que aventou a possibilidade de também ele se tornar um sem-abrigo. Chorei lágrimas de sangue.
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