sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O protesto mais parvo da história universal dos protestos

falsa factura em nome de Pedro Passos Coelho

Segundo o Público:

Consumidores pedem facturas em nome de Passos Coelho

O feitiço virou-se contra o feiticeiro. Em protesto contra a nova legislação que penaliza com multas até 2000 euros quem não pedir facturas, muitos consumidores começaram a pedir facturas com o número de identificação fiscal de Pedro Passos Coelho. Os dados do primeiro-ministro estão a ser divulgados em SMS e emails que se tornaram virais. As redes sociais estão a propagar o protesto.
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O número de contribuinte do primeiro-ministro não é, contudo, o único que está a ser difundido através das redes sociais. Também o NIF dos ministros Vítor Gaspar e Miguel Relvas estão a ser divulgados e partilhados no Facebook e no Twitter com a sugestão de que sejam usados para o mesmo fim.
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Em teoria, Passos Coelho pode até ser investigado pelas Finanças, por ter gasto um valor superior aos seus rendimentos. Vários serviços do Fisco contactados pelo Correio da Manhã — que dizem estar a par do que se está a passar — admitiram a possibilidade de o primeiro-ministro poder vir a ser alvo de uma investigação das Finanças, uma vez que existem “mecanismos de fiscalização automáticos que disparam quando um contribuinte gasta em facturas mais do que aquilo que declara como rendimento”.


Eis o protesto mais parvo da história universal dos protestos, por (pelo menos) quatro razões:

  1. Estou mesmo a ver Pedro Passos Coelho, Vítor Gaspar ou Miguel Relvas a serem “chateados” pelas Finanças para os fiscalizarem. O primeiro-ministro há tempos dizia que dormia perfeitamente — imagino o quanto a perspectiva de cair sob o martelo do fisco lhe esteja a tirar o sono...
  2. Mesmo que tal fiscalização ocorresse (o que, sabemos bem, nunca acontecerá), estes ministros, tal como quaisquer outros contribuintes “vítimas” de tal brincadeira, conseguiriam safar-se facilmente mostrando que é impossível terem estado em todos os sítios a que respeitam esses milhares de facturas (algumas certamente emitidas quase simultaneamente em locais afastados por dezenas ou centenas de quilómetros).
  3. Se é verdade, como no site «e-faturas» dizem, que o contribuinte final nem precisa (embora possa, como garantia) registar as facturas electrónicas emitidas com o seu NIF, pois terá automaticamente direito ao benefício fiscal quando o comerciante comunicar os dados das facturas que emitiu, então estes protestos só vão garantir que Passos Coelho e outros ministros “afectados” conseguem o máximo de benefício fiscal à custa de terceiros. 250€ (valor máximo) não os aquecem ou arrefecem, mas não deixa de ter piada que um protesto resulte em benefício fiscal para o alvo do protesto.
  4. Se é verdade que há falta de segurança na transmissão dos dados das facturas, podendo um desconhecido não autorizado (com alguns conhecimentos de informática) aceder a informação que viole o direito à privacidade dos contribuintes (onde estiveram, quando, o que compraram...), então este protesto tem também como consequência proteger a privacidade de Pedro Passos Coelho e dos demais afectados: ao emitirem tantas facturas com informação falsa, conseguem soterrar os reais consumos e a localização dos ministros, que efectivamente não se distinguirão dos consumos falsamente atribuídos a eles, pelo que tais informações (as verdadeiras) continuarão no foro privado. É um caso de privacidade garantida pela “multidão”. Passos Coelhos, Relvas e Gaspar agradecem.

3 comentários:

  1. Concordo. Passei o dia a dizer isto mesmo.

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  2. Desde que vi esta peça da criatividade nacional que não me canso de dizer que é uma completa estupidez. Basta pensar 10 segundos para concluir isso.
    Um dos problemas da nossa economia é a fuga ao fisco/economia paralela. Uma forma de evitar isso é através da emissão de factura. O que propõem os que são contra? Apenas que se mantenha o problema, alegando, entre outros, a sua privacidade. Bem, o que não faltam hoje em dia são meios para "pôr em causa" essa privacidade: registos multibanco, telemóveis, GPS, facebook...
    Sobre privacidade, gostaria ainda de saber onde foram descobrir os NIFs dos ministros (alguém com acesso a informação privilegiada violou os seus deveres profissionais?), e se são verdadeiros.
    Outro aspecto interessante para analisar é o seguinte: que consequências (e que custos) tem para o funcionamento das finanças e do Estado esta ideia de protesto? Os promotores desta palermice pensaram sequer que isto emperra ainda mais o funcionamento do Estado, tem custos, e obviamente é pago pelos contribuintes?
    É com coisas como esta que cada vez mais tenho de me convencer que este país não se governa, nem se deixa governar.

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  3. Caro/a GONIO,

    1. Eu sou 100% a favor da obrigatoriedade de *emissão* da factura, precisamente para evitar a fuga ao fisco, que prejudica todos. O que sou contra é a obrigatoriedade de o cliente *pedir* factura. Se o comerciante já é obrigado a emiti-la (mesmo que sem NIF do cliente), por que razão o cliente tem de pedir uma coisa que é de emissão obrigatória? Defendo, por isso, que a obrigação (e a penalização) seja apenas do lado do comerciante. A única excepção, conforme também disse no texto, são os casos em que se prove que o cliente foi cúmplice de fraude fiscal.

    2. Eu sou dos que não se importam muito (até agora, e até ver) com essa coisa da privacidade. Mas, por outro lado, defendo o meu direito a preservá-la, quando e se o desejar. Por isso, peço factura com o meu NIF quando quero e não peço quando não quero. Mas, uma vez mais, que fique claro: o facto de eu não pedir factura não significa que eu esteja a dizer ao comerciante para não a emitir; ele que a emita (como é sua obrigação), simplesmente sem o meu NIF, e sem que eu seja obrigado a pegar nela ou sequer a certificar-me de que ele a emitiu. (Não é minha obrigação verificar isso, tal como não fui verificar se ele pediu factura ao seu fornecedor.)
    Já agora, o facto de já haver outros meios de pôr em causa a nossa privacidade não nos retira o direito a ela, nomeadamente recusando utilizar esses meios — incluindo recusando que o nosso NIF figure nas facturas.

    3. As declarações de rendimentos e património dos políticos estão disponíveis para consulta pública (Lei n.º 4/83, art.º 5.º, n.º 1) e a divulgação do seu conteúdo é livre (idem, art.º 6.º, n.º 1). Cada político pode, justificadamente, pedir a não divulgação de alguns pormenores (por exemplo, ser divulgada a posse de uma casa, mas não a sua localização), mas o NIF não se inclui habitualmente na informação reservada.

    4. As consequências para o funcionamento das Finanças deverão ser nenhumas. A lei prevê a obrigatoriedade de emissão de *todas* as facturas (coisa que, sabemos, não está a acontecer), pelo que o sistema estará preparado para tal. (A comunicação é através de meios electrónicos, mesmo que a factura seja manual, pelo que não existe "papelada" a soterrar os serviços.) Ora, emitir uma factura em nome de Pedro Passos Coelho dá o mesmo trabalho que emiti-la em nome do cidadão José da Silva ou do Gato das Botas... é algo irrelevante para o sistema.
    Os apologistas da emissão em nome de Passos Coelhos devem dividir-se entre os paranoicos da teoria da conspiração, os iludidos de que este "protesto" levará o governo a alterar a lei (poderá alterá-la, mas não será por causa desta forma de protesto em concreto), os ainda mais iludidos de que conseguirão emperrar a máquina fiscal (ela anda perra, mas não por causa disto, nem isto a emperrará mais), e os que vão na onda, agindo por imitação, porque é moda ou acham que tem piada.

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